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Mineração de mar profundo e boas práticas – onde estamos e para onde caminhamos?

Atualizado: 16 de out. de 2022

Por Maila Guilhon


Não é segredo que as mudanças climáticas chegaram como consequência de atividades humanas desenfreadas, principalmente a partir da Revolução Industrial. É crescente, portanto, a busca por soluções visando mitigar os seus efeitos, principalmente a respeito da substituição de fontes de energia derivadas da queima de combustíveis fósseis por novas tecnologias renováveis. Em teoria, o caminho está em viabilizar uma “transição verde”, que visa gerar energia limpa e garantir um futuro mais sustentável para a humanidade.


O que pouca gente sabe, é que os materiais empregados no desenvolvimento de tecnologias para produção da tão almejada energia limpa podem vir às custas de ecossistemas de mar profundo ainda pouco conhecidos e, portanto, impactados pelo ser humano. Tais ecossistemas constituem, dentre outros, fontes hidrotermais, montes submarinos e planícies abissais. Até pouco tempo, acreditava-se que tais ambientes de mar profundo eram completamente inóspitos para o desenvolvimento de vida e, portanto, inabitados. Mas o avanço tecnológico e o aumento das campanhas de exploração (industriais e científicas) em grandes profundidades, demonstraram que, na verdade, ambientes de mar profundo abrigam ecossistemas extremamente diversos e ricos em vida marinha. Tais descobertas não se resumiram apenas à biodiversidade, mas também incluíram a identificação de aglomerados de metais que, se extraídos em grandes quantidades, podem ser aplicados à indústria de tecnologias renováveis. Tais minerais, caso encontrados além das águas jurisdicionais de qualquer país, são classificados como patrimônio da humanidade e devem ter sua exploração direcionada para o benefício de todos, incluindo das próximas gerações.


A Autoridade Internacional para os Fundos Marinhos (AIFM) - baseada em Kingston, na Jamaica - é a organização filiada às Nações Unidas responsável pela regulação e manejo de minerais que ocorrem além de limites territoriais. Em outras palavras, a AIFM estabelece as regulações e os procedimentos através dos quais Estados-Membro, mediante contrato, pode realizar atividades de exploração (estudos de viabilidade econômica, ambiental e tecnológica) com vistas à explotação (extração em escala comercial - ainda não implementada) de aglomerados minerais como crostas cobaltíferas, sulfetos polimetálicos e nódulos polimetálicos.

Nos últimos cinco anos e meio, busquei avaliar se o atual regime da AIFM está em conformidade com a gestão baseada em ecossistemas (GBE), reconhecida internacionalmente como “boa prática para governança do oceano” e como o regime regulatório e práticas da AIFM podem ser melhorados. A GBE está baseada na ideia de que ecossistemas naturais estão intrinsecamente associados aos seres humanos em sistemas socioecológicos, portanto, o manejo de atividades humanas deve incorporar, dentre outros, valores e ampla participação social. Outro aspecto relevante da GBE, consiste na percepção de que o manejo de atividades no oceano deve ser considerado de forma ampla. Em outras palavras, o oceano trata-se de um sistema tridimensional interconectado, sendo assim a extensão espacial e temporal de impactos deve levar em conta outras atividades humanas que ocorram nas adjacências e não somente restringido a um manejo setorial individualizado. Finalmente, a GBE também inclui dentre seus objetivos a manutenção da integridade e saúde dos ecossistemas, materializada no provimento de serviços ecossistêmicos intimamente relacionados ao nosso bem-estar e sobrevivência na Terra, que garantem nosso bem-estar.


Com o passar dos anos, a menção de elementos da GBE tornou-se presente de forma mais explícita no regime regulatório da mineração de mar profundo. No entanto, lacunas críticas permanecem. Dentre elas, a AIFM não estabelece uma definição para GBE, embora a adoção de tal estratégia de manejo seja requerida pelo regime. O esclarecimento acerca de uma definição e significado prático de GBE para AIFM é um fator determinante para que seja implementada pelas partes interessadas na extração de minerais em mar profundo. Em outro aspecto, parece haver diferentes entendimentos sobre o significado e a prática da GBE, reiterando a importância de esclarecer expectativas para seu cumprimento.

Além disso, uma oportunidade significativa de melhoria inclui a incorporação de especialistas de diferentes áreas do conhecimento para apoiar as discussões da AIFM. Desde ciências naturais e sociais, até direito, política, economia, artes etc., bem como representantes de diferentes grupos sociais, tais como organizações internacionais, sociedade civil, academia e indústrias, entre outros, devem ter espaço na mesa de discussões, o que atualmente ocorre de forma bastante limitada e não transparente no regime da AIFM. Nesse aspecto, a AIFM pode e deve aproveitar a utilização da ciência e outras fontes não formais de conhecimento (como o conhecimento advindo de comunidades tradicionais e indígenas) e desenvolver, de forma participativa, um regime baseado nas melhores informações disponíveis. Dessa forma, a AIFM possui o potencial para despontar como uma organização que integra valores e aspirações da sociedade a curto e longo prazo, tendo em vista o desenvolvimento de atividades econômicas.

O caminho para alinhar as práticas da AIFM com a GBE está na criação de espaços e oportunidades para ampliar discussões e a participação para além do âmbito da AIFM, incluindo com atores da sociedade civil e outras organizações internacionais que possuem experiência na aplicação da GBE. Tais discussões podem ser materializadas através da criação de uma força-tarefa que deve ter a responsabilidade de organizar discussões e reunir vozes através de grupos de trabalho, oficinas, capacitação e outros eventos que busquem ampliar a comunicação com a sociedade sobre as decisões que estão sendo tomadas acerca de atividades que impactarão ecossistemas localizados a quilômetros de profundidade no oceano. Somente de forma colaborativa e multidisciplinar evitaremos um tiro no escuro das águas profundas, em que seremos incapazes de identificar o sentido, a direção e, principalmente, quem, ou o que, foi atingido.



Sobre a autora:

Maila Guilhon é doutoranda em Oceanografia no Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP), Fellow no Instituto de Estudos Avançados em Sustentabilidade em Potsdam (Alemanha), conselheira da Liga das Mulheres pelo Oceano e da Deep Sea Stewardship Initiative (DOSI).


Foto: IISD/ENB | Diego Noguera















Foto de capa: Sarah Lee (Unsplash)

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