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Na maré, reside o movimento

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    Colaboradoras da Liga
  • há 6 dias
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Atualizado: há 5 dias


Por Aline Bueno

Ana Carolina Francelino

Myrna Elis Ferreira Santos

Silvana Siqueira

Bárbara Pinheiro



O ano de 2024 marcou um ponto de virada na vida de 56 mulheres negras que se reuniram em Tamandaré (PE) para compartilhar suas experiências, histórias e pesquisas nas áreas de Ecologia, Evolução e Ciências Marinhas, durante o workshop intitulado “A Maré Está Virando - BWEEMS, BRASIL”. Este evento surgiu de uma inquietação que tomou a mente da “Sereia, Cientista e JEDI”, Dra. Bárbara Pinheiro, durante sua participação na Conferência BWEEMS de 2023, na Universidade de Miami, na Flórida (EUA). Ao se conectar com aquelas mulheres negras estadunidenses e notar a pouca representatividade brasileira, Bárbara percebeu a necessidade de abrir caminhos, visando dar visibilidade às mulheres negras que atuam no Brasil. Assim nasceu o grupo de trabalho de mulheres negras da Liga das Mulheres pelo Oceano, que organizou a conferência da BWEEMS-Brasil em Tamandaré *Dez 24, e, em maio de 2025, 17 brasileiras se juntaram a Bárbara na Segunda Conferência da BWEEMS, na Universidade Duke, na Carolina do Norte (EUA).


O workshop “A Maré Está Virando”, realizado em dezembro de 2024, reuniu mulheres negras pesquisadoras das cinco regiões do Brasil e foi um marco para a criação do grupo BWEEMS - Brasil.
O workshop “A Maré Está Virando”, realizado em dezembro de 2024, reuniu mulheres negras pesquisadoras das cinco regiões do Brasil e foi um marco para a criação do grupo BWEEMS - Brasil.


Do Brasil para o Mundo: A Conquista dos Vistos!


Antes da viagem, foi necessário um intenso planejamento. O principal desafio foi obter passaportes e vistos norte-americanos para a maioria das participantes. Todas receberam um prêmio da BWEEMS, com passagens, hospedagem e alimentação garantidas. Algumas jamais haviam voado nem mesmo dentro do Brasil, tornando a viagem internacional um sonho distante — mas não inalcançável.


Em conjunto, decidimos que a primeira ação seria uma vakinha de financiamento individual. Cada participante mobilizou sua rede de contatos para arrecadar fundos que cobriram parte do investimento necessário para a emissão da documentação, incluindo não só as taxas de cada documento, mas também os gastos com deslocamento aéreo e terrestre para chegar aos órgãos emissores. Em seguida, lançamos uma vakinha coletiva com o objetivo de alcançar uma quantia maior. Isso porque já era previsto que algumas de nós não teríamos sucesso efetivo com a vakinha individual, e a visibilidade de algumas mulheres do grupo seria crucial para atingir nosso objetivo.


Apesar do esforço coletivo, pairava sobre nós uma inquietação constante: será que todas conseguiriam o visto a tempo? A cada confirmação do agendamento do consulado,  uma mistura de alívio e tensão tomava conta do grupo. As datas eram escassas e qualquer erro no processo poderia significar a perda da oportunidade. Estávamos lidando não apenas com o trâmite burocrático, mas também com o medo real de que alguma de nós não conseguisse embarcar.


Para reduzir essas incertezas, organizamos reuniões online em que aquelas com mais experiência ajudaram as demais a preencher corretamente o formulário DS-160, revisar os documentos e se preparar para a entrevista. Foi um momento de troca, de escuta e apoio mútuo, um exercício de cuidado coletivo que fortaleceu ainda mais nossos laços.


Cada mulher que saía da entrevista com o visto aprovado era celebrada como uma vitória de todas nós. Havia choro, risos, mensagens em caps lock nos grupos: “CONSEGUI!”, “DEU CERTO!”. Aos poucos, os nomes iam sendo riscados da nossa lista de incertezas e adicionados à lista dos sonhos possíveis. A tensão só deu lugar ao alívio completo quando a última integrante do grupo teve seu visto concedido. Só então, começamos a acreditar que aquele sonho coletivo estava realmente se concretizando.


Apesar de não termos atingido nossas metas financeiras, arrecadamos o valor bruto de R$11.751,84 e líquido, após dedução das taxas, R$10.902,72, e todas as integrantes do grupo obtiveram o passaporte e o visto para os Estados Unidos. O dinheiro foi gasto com o deslocamento entre as residências das participantes e o aeroporto no Brasil, do hotel ao aeroporto nos EUA, com alimentação durante esses dias de deslocamento, e com alguns seguros de viagem. Neste pequeno trecho, gostaríamos de expressar nossa gratidão a cada um que tornou isso possível: a quem contribuiu financeiramente; a quem compartilhou nossa campanha em suas redes sociais e com amigos; a quem comprou as rifas de nossas iniciativas individuais; e a todos que generosamente dedicaram seu tempo para nos ajudar a realizar este sonho. A atenção e o apoio de vocês foram cruciais para que pudéssemos levar nosso grupo à conferência em Durham. Gostaríamos também de agradecer os dez seguros de viagem doados pelo Alma Preta para integrantes da nossa delegação!



Finalmente a viagem para a Conferência


No dia 27 de maio de 2025, embarcamos no Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP) com destino aos EUA. A viagem durou aproximadamente oito horas até chegarmos em Washington, D.C., nossa parada de conexão e imigração. Em seguida, voamos por mais duas horas até aterrissarmos no estado da conferência.


Chegada de parte das representantes do grupo no aeroporto de Guarulhos- SP (Algumas mulheres ainda não haviam chegado no momento que foi feito este registro).
Chegada de parte das representantes do grupo no aeroporto de Guarulhos- SP (Algumas mulheres ainda não haviam chegado no momento que foi feito este registro).

A imigração causou apreensão, considerando o atual cenário político nos Estados Unidos. Felizmente, fomos autorizadas a passar em grupo, o que nos proporcionou maior segurança para explicar o motivo da nossa visita. Essa medida foi um alívio, pois algumas de nós ainda não dominamos o inglês, e a perspectiva de enfrentar a imigração individualmente era bem mais assustadora. 


O grupo todo reunido no aeroporto de Washington- DC após passarmos na imigração, e já a espera do segundo voo para Durham-NC
O grupo todo reunido no aeroporto de Washington- DC após passarmos na imigração, e já a espera do segundo voo para Durham-NC

Superada a imigração, fomos surpreendidas pela recepção pessoal da Dra. Nikki Traylor-Knowles, fundadora, diretora e CEO da BWEEMS, que nos conduziu ao hotel. Muito carinhosa, Nikki nos recebeu com abraços acolhedores em cada uma de nós, gesto que imediatamente nos fez sentir em casa. 


O credenciamento ocorreu na tarde do mesmo dia (28/05). Neste primeiro momento, recebemos os crachás e o kit do evento, o qual foi completamente surpreendente para nós. O kit mostrava já o carinho e o cuidado que vimos durante todo o evento. A dedicação a todos os detalhes era algo notável.


Kit da Conferência, contendo uma bolsa-sacola de pano, garrafa de vidro, caderno, caneta, álcool em gel e livro com as conquistas do ano das BWEEMS. Também veio post-it, uma bolsa sacola, adesivo, e chaveiro da Dan, que continha uma máscara descartável para RCP.
Kit da Conferência, contendo uma bolsa-sacola de pano, garrafa de vidro, caderno, caneta, álcool em gel e livro com as conquistas do ano das BWEEMS. Também veio post-it, uma bolsa sacola, adesivo, e chaveiro da Dan, que continha uma máscara descartável para RCP.

Logo após o credenciamento, nos reunimos no salão do hotel para o jantar-coquetel de recepção da conferência. Esse jantar foi o primeiro momento em que nos vimos reunidas com a maior parte das integrantes da BWEEMS que estiveram no evento. Naquele dia, quando vimos aquele salão repleto de mulheres negras originárias de lugares do mundo todo, pudemos sentir o tamanho do acolhimento e da identificação. Foi maravilhoso. 


O jantar foi o primeiro momento no qual nos sentimos parte integrante de forma física da ONG BWEEMS. Essa sensação de pertencimento em um movimento de união e troca dentro da academia é muito difícil de se obter, apesar de ser algo tão importante em todas as fases acadêmicas. Essa chegada foi o ponto de início que começou a nos mudar de dentro para fora, trazendo um incentivo acadêmico e pessoal para cada uma se conectar cada vez mais durante a conferência. 


No jantar-coquetel, celebrando a conquista do grupo e se conectando com mulheres de outros lugares do mundo.
No jantar-coquetel, celebrando a conquista do grupo e se conectando com mulheres de outros lugares do mundo.

Nos dias que seguiram, conhecemos a Universidade de Duke, uma das melhores universidades do país, e por três dias, a sede do evento. Foi nesse cenário inspirador que algumas de nós tivemos a oportunidade de apresentar nossas pesquisas e fazer networking com pesquisadoras negras de nossas áreas de interesse.


Tour pela Universidade de Duke, Carolina do Norte, Estados Unidos.
Tour pela Universidade de Duke, Carolina do Norte, Estados Unidos.

Além das apresentações acadêmicas, o evento contou com momentos de socialização, oficinas de escrita, aulas de yoga e uma palestra com Wawa Gatheru — ativista da justiça climática e fundadora do Black Girl Environmentalist (em tradução livre, "Garotas Negras Ambientalistas"). Foi um momento enriquecedor para nossa trajetória profissional e pessoal. Conhecer outras mulheres que compartilham vivências semelhantes às nossas e que estão conquistando seus objetivos acadêmicos reforçou o propósito e o orgulho de fazermos parte da BWEEMS.


Um dos objetivos da nossa participação na conferência foi levar nossas vozes e nossas narrativas. Algumas integrantes do grupo foram selecionadas para apresentações orais de suas pesquisas, exposição de banners e até para ministrar palestras. Para muitas de nós, foi a primeira vez apresentando em inglês. A barreira do idioma não foi intransponível: ensaiamos, traduzimos, revisamos e escutamos umas às outras. Transformamos inseguranças em apoio mútuo e, juntas, nos fortalecemos. Levamos nossas trajetórias, pesquisas e vivências a um espaço internacional de diálogo, aprendizado e troca. E as apresentações trouxeram frutos: algumas foram premiadas e reconhecidas pela sua qualidade acadêmica e científica.


Além disso, voltamos com ainda mais certeza de que o Brasil está produzindo pesquisas de altíssima qualidade, comparáveis às que vêm sendo desenvolvidas em outras partes do mundo.


Mulheres apresentam suas pesquisas na segunda conferência da BWEEMS, nos Estados Unidos.
Mulheres apresentam suas pesquisas na segunda conferência da BWEEMS, nos Estados Unidos.

Nossa delegação apresentou 11 banners, 5 apresentações orais e uma lightning talk (apresentação oral curta),  além de ter colaborado como voluntárias na organização do evento e das atividades durante a conferência!


A nossa ida ao evento como a 2° maior delegação de um país foi maravilhosa. Sentimos o cuidado e o carinho umas com as outras, que já vinha se construindo de um lugar de proximidade desde Tamandaré e das reuniões do GT de mulheres negras da Liga, encontrando conforto na possibilidade de conversar em nossa língua materna em alguns momentos de dúvida (e sossego para o cérebro hehehe), até ter um “help” para a comunicação e integração com as mulheres de outras nacionalidades! Estarmos juntas em um país estrangeiro, em uma primeira experiência internacional (para muitas de nós) e conhecendo novas pessoas foi mais especial ainda. Essa conexão nos uniu e permitiu que essa experiência fosse ainda mais acolhedora e proveitosa do que já esperávamos! Fomos sentindo dia-a-dia que ser membro da BWEEMS é ser parte de uma onda que une, que fortalece, que empodera e que muda trajetórias pessoais e profissionais, assim como ser brasileira é sobre dedicação, criatividade e leveza. Desta forma, ser BWEEMS e ser brasileira é um prazer e um privilégio maravilhoso, por isso queremos incentivar e apoiar muitas outras mulheres negras deste país. 




Confira o relato de alguma das participantes


“A conferência BWEEMS foi mais que um evento, foi como atravessar uma encruzilhada e encontrar uma confluência de histórias que se fortalecem. Ver outras mulheres negras produzindo conhecimentos, ocupando espaços de pesquisa e sendo referência em suas áreas foi profundamente transformador. Estar ali, acompanhada de tantas mulheres potentes, fez um filme do meu percurso acadêmico passar dentro de mim e diante dos meus olhos. Revisitei todas as dificuldades e violências que me atravessaram ao longo da minha caminhada. Mas, principalmente, senti o acolhimento dessas mulheres e de todas as pessoas que sempre estiveram ao meu lado, acendendo meu sol e me lembrando cotidianamente do quão foda eu sou. Encontros como este deveriam ser obrigatórios na trajetória profissional de toda mulher negra. Me sinto profundamente agradecida pela oportunidade.” - Dra. Keila Zaché é bióloga, mestre em Biologia Animal e doutora em Ecologia e Evolução pela UERJ. Atua na pesquisa da ecologia da paisagem sonora em ecossistemas terrestres e aquáticos.


“Participar do I Workshop BWEEMS Brasil em Tamandaré e agora da II BWEEMS Conference em Durham foram oportunidades ímpares. Primeiro pela representatividade, pela oportunidade de ver versões mais jovens de mim mesma em uma espécie de espelho de sonhos. Num segundo momento, pela reflexão sobre o quanto caminhei e o tanto de caminhar que ainda há pela frente. Só que agora, caminho acompanhada. Parafraseando Sued Nunes: “Sou 1A mas não sou só”.” - Dra. Rosy Isaias é bióloga, mestre e doutora em Ciências. Estuda as interações inseto-planta que resultam nas galhas. É professora titular do departamento de Botânica da UFMG e coordenadora do Grupo Galhas. Em 2024, tornou-se a primeira mulher negra a alcançar o nível de produtividade 1A no CNPq.


““I’m gonna stand up, take my people with me…” — esse verso da música Stand Up, na voz de Cynthia Erivo, traduz muito do que senti ao participar do I Workshop BWEEMS em Tamandaré e da II Conference em Durham. Esses encontros não foram apenas espaços de troca científica, mas verdadeiros atos de resistência, liderança e compromisso coletivo. Estar ali, como doutoranda, foi disruptivo. Rompeu com crenças que carrego há muito tempo — sociais, econômicas e culturais. Pela primeira vez, eu não me senti só ocupando um lugar — eu me senti parte de uma construção maior. A BWEEMS não é só uma rede: é um movimento. Voltei com mais confiança, mais perspectiva e com a certeza de que quando uma de nós avança, todas sentimos esse passo.” - Ma. Raiane de Jesus é engenheira de pesca, mestra e doutoranda em Recursos Pesqueiros e Aquicultura pela (UFRPE).



O Legado: Uma Onda que Não Para


Voltamos ao Brasil com a certeza de que a maré virou. Se antes caminhávamos sozinhas em nossas áreas, hoje nos aquilombamos, transformando inseguranças em força coletiva.


Participantes da segunda conferência da BWEEMS na Universidade de Durham, NC- USA (Maio- 2025).
Participantes da segunda conferência da BWEEMS na Universidade de Durham, NC- USA (Maio- 2025).

A maré mudou — e agora é a nossa vez de ocupar, transformar e navegar juntas.




Aline Bueno: Técnica em Química pela ETEC Tiquatira  e Bióloga pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Atualmente, é mestranda no Laboratório de Ecologia Marinha do programa de pós-graduação em Ecologia da UFRN, onde estuda os efeitos da poluição química em ambientes recifais. Membro da Black Women in Ecology, Evolution and Marine Science (BWEEMS) e da Liga das Mulheres pelo Oceano, seus principais interesses incluem ecologia marinha, biologia celular de corais escleractíneos, conservação ambiental e educação ambiental.







Ana Carolina Francelino: Bióloga com habilitação em biologia marinha e estudante de biologia na habilitação de gerenciamento costeiro pela UNESP de São Vicente. Atualmente integro o Laboratório de Ecologia e Comportamento Animal (LABECOM), no qual estudo a ecologia térmica de caranguejos-chama-marés. Sou integrante do GT de Mulheres Negras da Liga das Mulheres pelo Oceano, da ONG internacional Black Women in Ecology, Evolution and Marine Science (BWEEMS) e faço parte da organização de eventos científicos, como o 2° Simpósio de Mulheres na Carcinologia (internacional) e a XXI Semana da Biologia Marinha e do Gerenciamento Costeiro da minha universidade (regional).




Myrna Elis Ferreira Santos: Bióloga, Mestra e atualmente doutoranda em Conservação da Biodiversidade Tropical pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Pesquisa na área de ecologia de comunidades e redes de interações ecológicas. Integra o projeto Mulheres na Ecologia, a Black Women in Ecology, Evolution and Marine Science (BWEEMS) e a Liga das Mulheres pelo Oceano. 








Silvana G. L. Siqueira:  Bióloga, doutora em Ecologia e pós-doutoranda no Museu de Zoologia da USP, onde pesquisa crustáceos marinhos. Já participou de expedições científicas em ilhas oceânicas e carrega o mar como inspiração para sua trajetória. Ex-professora de Ciências, acredita no poder transformador da educação e da representatividade. É vice-coordenadora do GT de Mulheres Negras da Liga das Mulheres pelo Oceano e também integra a Black Women in Ecology, Evolution and Marine Science (BWEEMS). 









Bárbara Pinheiro: Sereia, Cientista e JEDI. Atualmente é pesquisadora associada do projeto PACTOMAR/ UNIFESP/ Maré de Ciências. Membro da Secretaria Executiva da Liga das Mulheres pelo Oceano, Coordenadora do GT de Mulheres Negras da Liga e da BWEEMS- Brasil.







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