A maquiagem-verde usada há décadas, nunca esteve na moda
- Colaboradoras da Liga
- há 1 dia
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Por Renata Pelegrini
A natureza não merece ter no guarda-chuva de seu vocabulário este conteúdo: greenwashing. Esse conceito refere-se a situações onde diversas táticas são pensadas aproveitando a crescente preocupação de consumidores com o meio ambiente. Isso não é nada legal. Então, desde o início deste artigo, gostaria de diferenciar o universo da natureza do mundo da camuflagem. E daí, adotar outra frase para traduzir o termo greenwashing, que em inglês, se refere a uma prática enganosa, e que na versão para o português, foi transposto como: banho-verde, lavagem-verde e mentira-verde.
Disfarçar suas verdadeiras práticas ambientais, utilizando marketing e publicidade para criar uma falsa ideia de sustentabilidade, e induzir os consumidores ao erro, apontam para um storytelling de mentiras. Portanto, definir greenwashing como mentira-verde, parece bem acertado. E ainda assim, resta pedir perdão à mãe-natureza pelo indevido uso da cor verde nesse binômio.
E qual é a origem desse termo?
Infelizmente o início está relacionado ao uso da água, mas não só, uma vez que também carrega consigo analogia ao “brainwashing”, ou lavagem cerebral.
Em meados dos anos 80, o termo foi primeiramente usado pelo ecologista Jay Westerveld, ao ter observado em uma rede de hotéis em Fiji, que a dinâmica de incentivar os clientes a trocarem menos suas toalhas nada se relacionava com a preocupação ambiental declarada pelo negócio, e sim, estava ligada a um interesse de gastar menos com os custos da lavanderia. Ou seja, o discurso ambiental que afirma práticas daqueles interessados na sustentabilidade, sendo apropriado à lógica capitalista para gerar maior lucro, foi o início do uso de greenwashing.
E em que medida a prática do greenwashing é nociva?
O greenwashing impede que a sociedade participe ativamente e promova engajamento nas iniciativas de autoridades ambientais e internacionais. Se enganados, os consumidores, interessados na redução dos danos ao meio ambiente, acabam por contribuir indiretamente para que essas empresas que fazem uso do greenwashing perpetuem a prática e a devastação ambiental.
Na realidade, governos e empresas que usam o greenwashing para estruturar suas campanhas e ações, conhecem a dificuldade que o consumidor tem de acompanhar toda a cadeia do negócio, e dão ênfase a pequenas mudanças que transparecem uma postura ambientalmente consciente.
Os danos ultrapassam o âmbito do consumidor e do meio ambiente na medida em que distorcem a percepção sobre o que é sustentabilidade para a sociedade como um todo. Afinal, ser ecologicamente correto sem adotar ações concretas inibe que a inovação ocorra de fato, e iniciativas que poderiam gerar impacto positivo não se estabelecem, pois a recompensa financeira está nas mãos de quem perpetua as práticas poluentes e danosas.
E além da questão ética, temos que lembrar que no Brasil, a propaganda mentirosa é proibida por lei, colocando a prática do greenwashing no banco dos réus.
Então, como reconhecer e diferenciar aquilo que é propaganda enganosa daquilo que são ações de sustentabilidade com propósito?
Mundo afora, a prática da camuflagem de informações, omissão de dados e mentiras sobre os impactos de ações ao meio ambiente são fruto de investigação e estudo. Tanto assim, que há uma lista conhecida globalmente das diversas táticas usadas no greenwashing e uma lista dos Sete Pecados dessa prática:
Táticas conhecidas do greenwashing:
declarações vagas onde palavras como ‘sustentável’ ou ‘ecológico’ apareçam sem comprovações;
falsas certificações fornecidas ou criadas ficcionalmente;
omissão de fatos por trás de uma pequena ação positiva;
campanhas enganosas onde palavras como ‘natural’ ou ‘eco-friendly’ induzem o consumidor a certificações inexistentes;
associação a causas ambientais sem adotar ações significativas.
Os Sete Pecados do greenwashing:
Hidden Trade-off ou Falso Benefício: ênfase em uma pequena ação de impacto sem considerar quanto da produção de um novo produto, por exemplo, poderá gerar consequências negativas ao ambiente;
No Proof ou Falta de Prova: declarações sem suporte de informação ou com certificados de terceiros confiáveis ao negócio;
Vagueness ou Vagueza: uso de palavras sem significado claro na atuação da empresa, como a palavra ‘sustentável’;
Worshipping False Labels ou Rótulo Falso: selos e símbolos sem relação e sem significado prático simplesmente com a intenção de iludir o consumidor;
Irrelevance ou Irrelevância: afirmações ecológicas tecnicamente verdadeiras, mas sem ligação como o contexto de ação da empresa;
Lesser of two Evils ou Menos de Dois Males: declaração ambiental verdadeira, mas que desvia o consumidor de observar um impacto ainda maior no meio ambiente;
Fibbing/ Lying ou Mentira: afirmações ambientais falsas.
E como encontrar as empresas e ações públicas verdadeiramente sustentáveis e longe do greenwashing?
Procurar por transparência com dados comprováveis que mostrem métricas reais e auditáveis;
Observar que desde a liderança até as operações do dia a dia, todos os níveis de uma organização devem ser coerentes, colocando discurso e prática em sintonia para refletir a cultura que difundem;
Notar selos que validem as ações da empresa e garantam credibilidade. No Brasil os principais certificados ambientais incluem: FSC (Forest Stewardship Council), IBD (Instituto Biodinâmico), Certificado Ecocert, Selo Procel.
E já que nos aproximamos de um vocabulário todo próprio à questão do verde e do meio ambiente, estudando algumas frase e palavras, é bom lembrar que o termo marketing-verde se refere a uma prática ética, que deve ser diferenciada do greenwashing. A principal diferença entre os fundamentos está na coerência. Enquanto o marketing-verde reflete uma postura consistente entre propósito e ação, o greenwashing apresenta uma ilusão através da comunicação superficial objetivando perpetuar o cinza da fumaça que atrapalha a tomada de consciência e ações que poderiam mitigar o momento urgente pelo qual a natureza passa.
Referências

Renata Pelegrini é formada em Letras e Educação pela Universidade de São Paulo e em Artes Plásticas pela Escola Panamericana de Artes. É membro da OceanUni, plataforma de cientistas, defensores ambientais e artistas baseada na Itália. Participa do Selvagem - ciclo de estudos sobre a vida: saberes indígenas, acadêmicos, científicos, tradicionais e de outras espécies. Produz conteúdo para a Newsletter da Liga das Mulheres pelo Oceano.
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