Maré de Transformação – Oceano Clima e Gênero na COP30
- Colaboradoras da Liga

- há 13 horas
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Por Simone Madalosso e Jemilli Viaggi
A COP-30, realizada em Belém, representou um marco histórico para a agenda climática e, especialmente, para o futuro do oceano. Pela primeira vez, a conferência ocorreu na Amazônia, um bioma diretamente conectado aos sistemas oceânicos, evidenciando de forma incontornável o nexo entre floresta, clima e oceano. Esse encontro revisitou debates urgentes sobre justiça climática, proteção dos territórios costeiros e a necessidade de integrar o oceano como pilar central das soluções globais para a crise ambiental.
Nesse cenário, nossa participação enquanto Liga das Mulheres pelo Oceano foi profundamente significativa. Atuamos para garantir que as perspectivas femininas, costeiras e oceânicas estivessem presentes nas mesas, eventos e articulações políticas.
A partir desse compromisso surgiu o GT COP-30, criado para aprofundar a agenda e assegurar que temas como gênero, oceano e justiça social sigam ocupando espaço central nas discussões climáticas globais. A iniciativa nasceu da percepção de que, apesar da relevância desses temas para a agenda climática global, eles ainda aparecem de maneira dispersa e frequentemente com pouca representatividade dentro dos espaços formais de decisão. Além disso, é sabido que o financiamento para tais áreas corresponde ao mínimo quando comparado ao total do financiamento climático global.
A partir de tal alinhamento, o GT COP-30 idealizou a construção de um documento que reunisse e destacasse iniciativas lideradas por mulheres na interface entre oceano, gênero e clima, oferecendo visibilidade e reconhecimento a essas trajetórias que muitas vezes permanecem invisibilizadas. O material busca não apenas registrar experiências transformadoras, mas também orientar políticas, inspirar práticas e evidenciar o papel fundamental das mulheres na defesa dos territórios costeiros e marinhos. Dessa forma, o documento se constitui como um instrumento político e simbólico para fortalecer a participação feminina e promover um futuro mais justo, inclusivo e sustentável.

A partir dessa construção coletiva e do esforço de reunir iniciativas de diferentes territórios, o documento passou a cumprir um papel estratégico na COP-30. Para ampliarmos seu alcance e gerar espaços qualificados de diálogo, organizamos três eventos públicos de lançamento, ambos voltados a apresentar o mapeamento e promover debates sobre os desafios enfrentados por iniciativas lideradas por mulheres, em especial no que diz respeito ao acesso a financiamento e ao reconhecimento institucional.
O primeiro encontro ocorreu na Casa Arayara, dentro do Amazon Climate Hub, reunindo representantes do Ministério da Pesca e Aquicultura, do Fundo Casa Socioambiental, do coletivo Guerreiras das Águas e do Instituto TerrAzul. Nesse espaço, fizemos a apresentação inicial do documento, situando a diversidade das iniciativas mapeadas e discutindo como mulheres de territórios costeiros e amazônicos têm atuado na linha de frente da conservação, da gestão comunitária dos recursos naturais e da defesa de direitos. O diálogo evidenciou, de forma contundente, que embora essas lideranças sustentem grande parte do trabalho socioambiental de base, elas seguem enfrentando barreiras significativas para acessar recursos financeiros, estruturar suas organizações e participar de processos decisórios. As falas trouxeram a urgência de modelos de financiamento mais próximos dos territórios, sensíveis às realidades das mulheres e capazes de fortalecer soluções existentes em vez de reproduzir desigualdades históricas. O Fundo Casa trouxe o histórico panorama e evolução da conservação, e relatou como vem atuando há anos, destacando que um modelo que atende as necessidades locais é possível e necessário. Além disso, a representação governamental destacou a importante pauta da participação social efetiva como o primeiro passo no reconhecimento das mulheres e suas iniciativas.

O segundo lançamento aconteceu na Casa HUB Culture no dia 18 de novembro e contou com a participação das organizações Rare Brasil, Somos do Mar e Todas para o Mar (TPM). As organizações presentes relataram como suas iniciativas promovem o desenvolvimento dos territórios em que atuam, levantando aspectos de fortalecimento da cadeia produtiva do caranguejo em Soure, educação ambiental crítica e desenvolvimento territorial com proteção e protagonismo feminino.

O terceiro evento ocorreu na Casa Vozes do Oceano, com a participação da REMULMANA/CONFREM, da Rede Biomangue e da Fundação Grupo Boticário. O encontro aprofundou ainda mais o olhar sobre os territórios costeiros e marinho-costeiros, destacando o protagonismo de pescadoras, guardiãs de manguezais, lideranças comunitárias e coletivos femininos que atuam com cadeias produtivas e conservação dos ecossistemas, com destaque para os manguezais. A troca entre as organizações reforçou que o documento não é apenas um inventário de iniciativas, mas um instrumento político capaz de iluminar tendências, desafios e oportunidades. Ao mesmo tempo, o debate sobre financiamento emergiu novamente como ponto central: iniciativas lideradas por mulheres seguem subfinanciadas, enfrentam editais pouco acessíveis, exigências burocráticas incompatíveis com suas estruturas e escassez de recursos que considerem o tempo comunitário, o trabalho de cuidado e a importância da liderança feminina para a adaptação climática e a saúde dos ecossistemas. A filantropia trouxe como ponto central o processo de mudança que vem ocorrendo entre os financiadores, especialmente do sul global, para desenvolver mais tais pautas e melhorar a acessibilidade para organizações de base.

Os três eventos confirmaram a relevância do mapeamento e fortaleceram a presença da Liga das Mulheres pelo Oceano como articuladora entre territórios, organizações e instituições financiadoras. Também evidenciaram que, para avançar em justiça climática e proteção oceânica, é imprescindível enfrentar a lacuna estrutural de financiamento que impede o florescimento de tantas iniciativas potentes. Assim, o documento e os diálogos gerados ao seu redor contribuem para ampliar a visibilidade dessas experiências, construir pontes e orientar tanto políticas públicas quanto arranjos de financiamento mais equitativos.

Jemilli Viaggi é bióloga marinha e doutora em Ecologia pela UFRJ, especialista em políticas públicas, advocacy e estratégias de conservação marinha. Atua na Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano e na Secretaria Executiva da Liga das Mulheres pelo Oceano, coordena o GT-COP30 e contribui para a Década da Ciência Oceânica da ONU. Consultora especialista do Ministério do Meio Ambiente na articulação de políticas e estratégias para o combate à poluição por plástico nos oceanos e membro do Comitê Diretor da Scientists’ Coalition for an Effective Plastics Treaty. Também é assessora ambiental do Instituto Coral Vivo na regional Abrolhos. Comprometida com a transição para modelos mais justos, regenerativos e sustentáveis, integra ciência, políticas públicas e sociedade para enfrentar os desafios ambientais globais.

Simone Madalosso é bióloga e mestre em Práticas em Desenvolvimento Sustentável (UFRRJ/The Earth Institute – Columbia University). Atua há mais de 15 anos em territórios costeiros, amazônicos e no Cerrado. É especialista na área pesqueira, no trabalho com comunidades tradicionais, na gestão de conflitos socioambientais e em sociobioeconomia. É fundadora da Bio Adaptativa, empresa de consultoria socioambiental. Atualmente é assessora técnica do Instituto Sociedade População e Natureza (ISPN). Atua voluntariamente, como pessoa física, na Liga das Mulheres pelo Oceano, onde coordenou em 2025 o mapeamento do GT COP30.





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