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Isabela Moreira

Desafio: Um Oceano Limpo por Liana de Figueiredo Mendes

Desafio: Um Oceano Limpo

Compreender e fazer um levantamento das fontes terrestres e marítimas de poluentes e contaminantes, além de seus potenciais impactos na saúde humana e nos ecossistemas marinhos para desenvolver soluções para os remover ou atenuar (IOC, 2020 - levemente alterado para melhor compreensão).


Entrevistada: Liana de Figueiredo Mendes


1) Conte um pouco sobre quem é a Liana:


Sou bióloga, docente na UFRN em Natal, mãe de dois garotos e casada com um músico. Me graduei em biologia na USP-Ribeirão Preto, e fiz mestrado e doutorado com foco em Zoologia, no IB/USP-SP. Recentemente realizei meu pós-doutorado comparando recifes brasileiros com recifes caribenhos da Costa Rica (Universidad de Costa Rica). Sempre desenvolvi pesquisas em ambientes subaquáticos, adoro mergulhar, sou uma pessoa das águas. Fiz meu primeiro curso de mergulho em 1988 pela empresa de mergulho Brasub, que já não existe mais. Iniciei minhas pesquisas no mar durante o doutorado com peixes crípticos nos recifes de Noronha (início em 1996). A partir daí, não saí mais da água salgada. Embora tenha iniciado meus estudos com peixes de água doce no Ribeirão do Tamanduá, interior de SP e depois mestrado com os bagres cegos da caverna Poço Encantado/BA, em 2003 passei em concurso como docente na UFRN e desde então sigo trabalhando e orientando principalmente na linha de bioecologia de peixes, invertebrados marinhos e conservação de ambientes recifais. Em 2002 fundei a ONG Oceânica – pesquisa, educação e conservação, juntamente com 2 amigos, que hoje atua fortemente na costa do Rio Grande do Norte e vou falar sobre isso mais adiante. Acho muito importante o envolvimento de pesquisadoras em diretrizes de políticas ambientais e, portanto, sempre que possível participo como consultora nas oficinas de avaliação de espécies ameaçadas, coordenadas pelo ICMBio, oficinas para definição de áreas prioritárias para conservação (MMA) e sou integrante do Grupo de Articulação (GAT) do PAN Corais. Atualmente faço parte também do Grupo de Trabalho vinculado ao PPGMar com foco no mergulho científico no Brasil, atividade ainda não regulamentada no país. Outro aspecto importante de minha vida profissional é estar com alunos, desenvolvendo pesquisas e trabalhando em ambientes marinhos, o que direta ou indiretamente tem sido minha vida de pesquisadora há cerca de 20 anos. É muito gratificante e renovador estar em um meio de produção de conhecimentos e envolvida em processos de ensino-aprendizagem, refresca a alma. Por outro lado, a obviedade das preocupações considerando o descaso danoso que a humanidade tem direcionado aos ecossistemas naturais, em que as próximas gerações terão que lidar com um planeta adoecido, espero que encontrem meios para reverter este cenário.

2) Qual a sua atuação profissional no momento?


Sou docente associada, lotada no Departamento de Ecologia da UFRN. Além das atribuições cotidianas na universidade que vão bem além de dar aulas, nos envolvemos em colegiados, comissões, orientações, pesquisa e extensão. As atividades são constantes e dinâmicas e em meio à pandemia um tanto massacrantes por estar o tempo todo colada na cadeira do computador. Atualmente, estou muito envolvida em dois projetos de pesquisa. Um deles se refere às sardinhas de Fernando de Noronha. Desde meu doutorado no arquipélago nunca mais consegui tirar os pés e os pensamentos da ilha, encantadora, mas com muitos temas socioambientais a serem trabalhados. Em 2013 a UFRN conseguiu cadeira no conselho do Parque e APA de Noronha e estive como representante durante alguns anos. Nesta época me deparei com o conflito socioambiental acerca da pesca das sardinhas e a partir daí, juntamente com parceiros da universidade e alunos, iniciamos um projeto para levantar informações bioecológicas, sobre a identidade taxonômica e evolução, e aspectos da cadeia de produção envolvendo o tema. Tais informações deverão auxiliar na tomada de decisões referentes ao conflito instaurado. O outro projeto que estou envolvida se refere às análises da biota marinha da costa do RN relacionadas ao desastre com petróleo em 2019, com apoio e suporte do INCT Ambitropic e PROPESQ/UFRN. Nossa equipe da universidade está trabalhando em parceria com laboratórios e universidades de outros estados do BR. Este é um projeto amplo que visa avaliar qual a dimensão dos impactos causados pelo petróleo que acometeu a costa do NE em 2019 e que ainda está presente na costa brasileira. Atualmente as disciplinas que ministro na UFRN como manejo de recursos naturais, impactos ambientais, educação ambiental, ampliam minha visão acerca da dimensão da conservação, pois os alunos promovem a constante troca de informações.


3) Como foi seu encontro com o oceano e como ele começou?


Embora eu tenha nascido em São Paulo capital e passado boa parte da minha infância e juventude no interior, durante as férias sempre íamos para a praia e meu pai ficava mostrando os peixinhos e outros animais marinhos. É claro que estes estímulos foram inspiradores. Também tive um professor de Ciências sensacional no ensino fundamental, e ele também foi o responsável por me estimular ainda mais a trabalhar com a natureza. Como muita gente da minha geração, eu assistia aos programas de TV sobre as expedições do Calypso, do Jaques Cousteau e O Mundo Animal. A vida subaquática me hipnotizava: pensar que poderia flutuar sobre aqueles lugares lindos e perto de seres grandiosos como golfinhos, tartarugas tubarões e raias, seria fantástico. Assim que entrei na graduação da biologia em Ribeirão Preto, fiz o curso de mergulho SCUBA, e os batismos foram feitos mergulhando nas ilhas de Parati/RJ, foi sensacional. A partir daí tive a certeza de que iria trabalhar dentro d’ água, mas procurar águas mais quentes: São Paulo e Rio eram frios demais prá mim. Rumei para o nordeste no meu mestrado e então a paixão encontrou Noronha e decidi viver perto da ilha. Desde 1997 pesquiso o ambiente marinho na ilha, com foco nos meus xodós, os peixes criptobentônicos, trabalhamos também com ouriço-branco e atualmente, sardinhas. Mas o litoral potiguar me conquistou fácil, os recifes daqui são belíssimos, ricos e exuberantes e hoje me dedico a estudá-los, oriento alunos com os quais aprendo horrores e assim continuo debaixo d’água. E quando consigo, me aproximo mais da Oceânica, pois os trabalhos socioambientais conduzidos pela instituição, hoje com 18 anos, são de extrema importância social rumo a um mundo que acredito e almejo. Lá na Oceânica reside parte da minha fé. Hoje em dia, mesmo durante a pandemia e considerando as incontáveis tarefas na universidade e em casa, consegui dar umas escapadas e mergulhar para avaliar o branqueamento de corais no ano passado e coletar amostras para o projeto do petróleo. Molhar o corpo com água salgada e mergulhar fazem parte da manutenção do meu equilíbrio e sanidade mental.


4) Como seu trabalho na universidade se conecta com a Oceânica? Qual o impacto para a sociedade?


Comecei a perceber que meus trabalhos poderiam ter um alcance mais próximo às comunidades e também pensei em uma ferramenta que pudesse auxiliar na viabilização de projetos de pesquisa e conservação. Assim nasceu a Oceânica, em 2002. Na época eu tinha bolsa de pesquisa do CNPq pela UFRN (DCR – Desenvolvimento Científico Regional) e pensei em criar uma ONG. Com o passar dos anos muitas pesquisas e atividades de extensão que desenvolvia na Universidade tinham parceria e colaboração da Oceânica. Projetos em conjunto com alunos da UFRN como estagiários aprendendo com o 3º setor e por outro lado a Oceânica contando com a parceria e muitas vezes apoio de infraestrutura da Universidade, o que era ótimo para ambos os lados. Esta parceria funciona bem até hoje. Por exemplo, a Oceânica ganhou a licitação para fazer o plano de manejo da APA dos Recifes de Corais (RN) e boa parte da equipe foi composta por professores e alunos da UF. Com apoio de laboratórios e equipamentos, também conduzimos durante anos o programa de monitoramento do turismo junto ao órgão gestor desta mesma UC, Oceânica e UFRN. Com o tempo, a Oceânica ficou mais forte e independente e hoje tem uma equipe super comprometida com os ecossistemas costeiros, também na área político/social. Devido às numerosas demandas da Universidade não consigo me envolver tanto com as atividades da Oceânica, mas estamos sempre em contato, e como disse anteriormente, a troca nestas parcerias é riquíssima, pois há um engajamento dos projetos de pesquisa voltados às áreas sociais, envolvendo levantamento de dados e produção de ciência, com educação ambiental e política socioambiental, ou seja, o terceiro setor e a instituição pública de ensino são enriquecidos nestas trocas.


5) Como seus trabalhos contribuem para um oceano mais limpo? E quais os desafios encontrados no caminho?


Comecei a me envolver com a questão dos resíduos no mar por conta das primeiras ações da Oceânica no RN em 2003. Na época resolvemos fazer mutirões de limpeza de praias como parceiros da “Clean up the World” australiana, que é a maior campanha de base comunitária do planeta voltada às questões dos problemas com lixo. Movimentamos alunos, voluntários, prefeituras e outras instituições públicas e privadas a se envolverem na causa e, por muitos anos, conduzimos estes mutirões anualmente. Mais tarde ampliamos para a coleta de lixo em lagoas e nos recifes costeiros de Pirangi (RN) e produzimos materiais educativos nesta linha. Hoje trabalho no projeto da avaliação dimensão da contaminação por petróleo na costa do RN e este projeto, embora extremamente necessário, é incômodo e um tanto angustiante, pois não temos a menor garantia de que este tipo de desastre não voltará a ocorrer, quando sequer sabemos a origem do que aconteceu. Trabalhamos em conjunto (órgãos públicos do estado, gestores de instituições ambientais, universidade, instituições do terceiro setor – como Oceânica e outros) no comando do Estado (RN) criado em 2019 para mitigar e avaliar os efeitos deste desastre. É importante evidenciar que o envolvimento de estudantes em temáticas tão emergenciais e relevantes certamente é estruturante na formação de recursos humanos, afinal estas pessoas serão os agentes atuantes nas próximas décadas, lidando com as problemáticas ambientais que ainda virão. Outro desdobramento de minhas pesquisas envolve o estudo e monitoramento dos recifes, susceptíveis aos diversos impactos antrópicos e atuar nesta linha de trabalho também torna a vida mais útil e prazerosa. Ao longo do tempo fui gostando cada vez mais de me envolver com educação e com a atividade de ser professora, um exercício contínuo em sala de aula e também como mãe. Minha mãe era professora de português e literatura, e, embora eu nunca tenha tido aulas com ela, sua postura em casa era de educadora consciente e atenta. Embora em minha juventude nunca tenha pensado em ser professora, hoje sinto uma grande satisfação em estar com os alunos e procuro transformar nossos encontros em sala de aula em espaços dinâmicos para discussões de alternativas para um mundo sustentável, que inclui diminuição do consumo, produção de resíduos e por aí vai. Minha estada na Costa Rica (2017-2018), durante o pós-doutorado, também foi muito rica pois trabalhando junto ao Parque Nacional Cahuita. Na comunidade de Cahuita, notei que a consciência ambiental é possível e transforma a realidade: um país com preocupações ambientais e com a educação, prospera e é isto que temos que buscar.

Infelizmente nos últimos dias (23, 24 e 25 de abril 2021) começou a chegar uma enorme quantidade de lixo nas praias do RN, vindos mar mas produzidos no continente, lixo hospitalar (seringas, frascos etc), plásticos variados, utensílios de uso doméstico, enfim, uma enorme quantidade de resíduos. Até o momento, instituições governamentais se pronunciaram informando desconhecerem a origem de mais este evento desastroso ao ambiente costeiro. Muitas vezes é complicado ter ânimo considerando a avalanche de eventos desastrosos que presenciamos ultimamente, mas estamos aqui e agora e então nos resta respirar fundo, arregaçar as mangas e voltar as energias em ações construtivas. Desta forma, cada um no seu quadrado, podemos fazer alguma diferença mesmo considerando o pandemônio que vivemos.


6) O que você espera da Década do Oceano?


Diminuir a pegada humana no planeta, incluindo a minha. Parar de imprimir descaso e inconsequência e então parar de colher contaminação, sobre-exploração e escassez. Espero que a consciência política global, que no momento exclui o governo brasileiro é claro, continue nesta toada do discurso para a prática. Espero países importantes se comprometendo com alteração da matriz energética, ampliação de áreas protegidas… enfim, considerando implementar várias ações que levam à sustentabilidade do planeta e oceano. Temos um atual discurso político global que diz enxergar as previsões catastróficas científicas. O discurso de muitos líderes mundiais importantes aponta para a consciência de que estamos massacrando nosso capital natural. Esta percepção parece conduzir a estratégias de políticas ambientais favoráveis e então talvez representem uma luz no fim do túnel. Perceber que a natureza é um ativo poderoso e que ainda tem potencial em prover a todos que moramos no planeta juntamente com a consciência de que podemos viver com o que basta e distribuir o que excede, pode nos ajudar. Desejo que esta filosofia, que permeia muitas falas, ganhe raízes profundas na próxima década.


Seria maravilhoso se todas as diretrizes da Década do Oceano se concretizassem e que para os próximos 10 anos a consciência política tenha amadurecido tendo em vista todo o sofrimento que estamos passando decorrente de ações humanas direcionadas ao meio ambiente. Espero que sejamos mais gentis com a Terra. Espero que nestes próximos 10 anos cuidemos melhor do nosso espaço e que nós cientistas tenhamos uma frente cada vez mais ampla de atuação: o planeta pede amplidão, está sufocando e nós vamos agonizando junto. Por isso, cada vez mais encontramos tantos programas de apoio internacional com metas ambientais sendo definidas. Ainda temos chance.


Espero continuar a produzir dados consistentes e que estes sejam o leme de muitas tomadas de decisão. Mais pessoas no poder comprometidas, boa formação de recursos humanos e consciência individual sem hipocrisia. Difícil hein? Mas não é “missão impossível”. Temos boas metas a nível mundial e se forem implementadas, em 10 anos poderemos ter um planeta mais equilibrado quanto ao uso dos recursos. A gente não pode continuar a consumir o capital natural sem esperar que o juros e os prejuízos não venh


PARA SABER MAIS:

Convido a visitarem este instagram para saber um pouco mais do trabalho que envolve as pesquisas da avaliação da contaminação do petróleo na costa do RN e o site da Oceanica (https://oceanica.org.br/).


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