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Diplomacia e Oceano

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    Colaboradoras da Liga
  • há 5 dias
  • 10 min de leitura

Cooperação Global, Democracia e Ação Coletiva pela Proteção Marinha


Por Elisa Homem de Mello


Em meio a crescentes desafios globais – de conflitos geopolíticos à competição por recursos e à crise climática – a diplomacia surge como ferramenta essencial para cooperação e resolução de crises, especialmente no contexto oceânico. Esse foi o tom do evento “Diplomacy and the Ocean”, realizado no Centre Universitaire du Méditerranée - campus Saint Jean d’Angély, em Nice, paralelo à 3ª Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos (UNOC3) .


O encontro reuniu pesquisadores, diplomatas e formuladores de políticas para discutir como a diplomacia internacional pode enfrentar crises globais que atingem o Oceano, desde conflitos e competição entre nações até os impactos das mudanças climáticas. O oceano, cobrindo mais de 70% da superfície do planeta, é receptor direto dessas crises, pois absorve a maior parte do aquecimento global, sofre com a poluição e a sobrepesca, e reflete as tensões geopolíticas em disputas por territórios e recursos marinhos. Diante desse cenário, representantes de governos e instituições científicas enfatizaram a necessidade de cooperação baseada em evidências científicas e respeito às regras internacionais para proteger os mares.


A seguir, exploramos os principais pontos discutidos no evento: o papel unificador da diplomacia diante de crises, a importância de construir pontes e fortalecer a democracia nas relações internacionais, a inclusão de gênero e igualdade como aliadas da conservação marinha, e uma reflexão crítica sobre o embate entre interesses econômicos e ecológicos, clamando por ação coletiva imediata.



🏛️Diplomacia como Ferramenta para Superar as Crises Globais no Oceano


Não é necessário, mas vale lembrar que a diplomacia é a milenar prática de conduzir negociações e relações entre diferentes países, visando promover seus interesses e objetivos de maneira pacífica. Ela envolve a atuação de representantes de estados, conhecidos como diplomatas, que trabalham para manter a paz, resolver conflitos, desenvolver acordos comerciais e culturais, bem como fortalecer os laços entre as nações. No Brasil, a diplomacia é regida pela casa do Ministério das Relações Exteriores, o Itamaraty: um componente essencial da política externa brasileira, atuando na defesa dos interesses nacionais, promovendo o diálogo com outros países e buscando soluções para os desafios globais.


A diplomacia foi destacada, durante o evento, como mecanismo para promover cooperação além das fronteiras e enfrentar crises de alcance planetário. Em um mundo marcado por conflitos regionais e competição global, os participantes ressaltaram que nenhum país consegue, sozinho, resolver problemas como a mudança climática ou a degradação dos mares. Problemas globais exigem soluções coordenadas: por meio de tratados, acordos e diálogo multilateral… a diplomacia permite alinhar interesses divergentes em prol de objetivos comuns. Um exemplo é o recém-acordado Acordo sobre a Biodiversidade Além da Jurisdição Nacional (BBNJ) ou Tratado de Alto Mar, concluído em 2023, para proteger a biodiversidade em águas internacionais – fruto de anos de negociações diplomáticas e cooperação científica. Esse tipo de acordo mostra que, apesar das diferenças, as nações podem unir-se para “mudar a trajetória de pilhagem para proteção”, e de exploração de curto prazo para administração sustentável de longo prazo.


O Oceano foi descrito como “força unificadora em meio a crises globais”, conectando povos e nações além das fronteiras. Por exemplo, ele tem absorvido cerca de 90% do excesso de calor gerado pelo aquecimento global, o que evidencia seu fardo em carregar as emissões GEE de todos os países. Da mesma forma, costa, mares e rotas marítimas muitas vezes sofrem impactos de conflitos – como conflitos armados ou derramamentos de óleo e destruição de infraestrutura – e das competições econômicas, seja na sobrepesca ou na corrida por recursos minerais submarinos. Nesse contexto, a diplomacia oferece canais pacíficos para mediar disputas, evitar que competições se tornem conflitos abertos e promover soluções cooperativas. Iniciativas como a criação de áreas marinhas protegidas em alto-mar, a redução de subsídios prejudiciais à pesca ou acordos para corte de poluição plástica dependem de ampla coordenação internacional, alcançada apenas com diálogo e boa vontade entre as Nações. Conforme enfatizado no evento, o Oceano não reconhece fronteiras políticas – correntes marinhas, migração de espécies ou dispersão de poluentes conectam continentes e, por isso, a palavra oceano deveria ser escrita sempre no singular. Logo, a única resposta eficaz é por meio de ações conjuntas e diplomacia científica, integrando conhecimento técnico nas negociações.



Construindo Pontes e Fortalecendo a Democracia: a perspectiva Norueguesa


Um dos destaques do evento foi a participação de Maria Varteressian, secretária de Estado do Ministério das Relações Exteriores da Noruega. Em sua fala, Varteressian sublinhou a importância de construir pontes entre nações e atores diversos, bem como fortalecer a democracia diante das pressões atuais no cenário internacional. Para ela, os valores democráticos e o diálogo aberto estão sob teste em um mundo polarizado, mas são fundamentais para enfrentar desafios comuns como a crise climática. Varteressian argumentou que somente com sociedades democraticamente fortes – onde há transparência, participação cidadã e liberdade científica – será possível sustentar medidas ambientais de longo prazo. Ela lembrou que a democracia, além de um fim em si, é um meio de garantir que decisões difíceis (como reduzir emissões ou preservar áreas marinhas) sejam tomadas com legitimidade e justiça, resistindo a interesses de curto prazo.


Outro ponto central de sua mensagem foi o respeito às regras e ao direito internacional como base para a ecologia, a economia e a humanidade. Varteressian referia-se, em especial, a acordos como a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS) – frequentemente chamada de “constituição do oceano” – e demais tratados ambientais. Segundo ela, um regime global baseado em regras claras e cumpridas por todos é a condição para proteger os ecossistemas marinhos, garantir uma economia azul sustentável e preservar a dignidade humana.


“O oceano não está à venda […] trata-se de um bem comum que a comunidade internacional deve defender em conjunto”, declarou o presidente francês Emmanuel Macron, durante a abertura da UNOC3, ecoando a defesa de Varteressian por uma governança baseada no bem comum, não na lei do mais forte. Essa ênfase no primado do direito e da cooperação contrasta com tendências de alguns atores (entre eles, Japão, Suécia e a própria Noruega, cujas tradições culturais, muitas vezes, vão de encontro a esse bem comum) em ignorar normas globais em busca de ganhos próprios. Para a secretária norueguesa, somente reforçando o multilateralismo e respeitando as regras acordadas é possível equilibrar o uso e a proteção do Oceano, conciliando interesses econômicos com a saúde ecológica planetária.


Varteresian também destacou o papel de construir pontes diplomáticas, ou seja, fomentar o diálogo entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, entre governos e comunidade científica e entre setores público e privado. Essa construção de pontes visa criar confiança mútua e compartilhar responsabilidades. Em meio a crises que testam a solidariedade internacional, como pandemias, mudanças climáticas e conflitos regionais, a diplomata norueguesa defendeu que a solução passa por mais diplomacia, não menos: engajamento constante mesmo com atores difíceis, manutenção de canais de negociação abertos e busca de consensos que atendam ao interesse coletivo. Esse espírito colaborativo, aliado à robustez das instituições democráticas, forma o alicerce para enfrentar as adversidades atuais e futuras nos mares.



👭Gênero, Igualdade e Conservação: Aliados Estratégicos do Oceano


Para a cientista e oceanógrafa, Maila Guilhon, do Programa Ocean Voices da Nippon Foundation University of Edinburgh e, atualmente, à frente do GT Captação da Liga das Mulheres pelo Oceano, para quem o foco foram as agendas de gênero, igualdade e conservação oceânica, a proteção do Oceano pode ganhar força quando incorporamos perspectivas de gênero e inclusão social nas políticas e na diplomacia. Historicamente, mulheres e comunidades marginalizadas têm ficado de fora das decisões sobre os mares, apesar de frequentemente serem as mais afetadas pela degradação ambiental e as mais engajadas em soluções locais. Trazer essas vozes e experiências para o centro do debate não é apenas uma questão de justiça social, mas também uma estratégia inteligente de conservação.


No painel, Guilhon lembrou-se que mulheres representam quase metade da força de trabalho ligada ao Oceano, especialmente em setores como pesca artesanal e processamento de pescado, embora muitas vezes em posições menos remuneradas e com pouco reconhecimento. Ainda assim, em diversas partes do mundo, são mulheres que lideram iniciativas de proteção costeira, manejo sustentável e educação ambiental, demonstrando que o empoderamento feminino anda de mãos dadas com resultados positivos para a natureza. Exemplos citados incluíram projetos comunitários onde a igualdade de gênero impulsionou soluções inovadoras – como viveiros de manguezais e hortas flutuantes liderados por povos tradicionais para recuperar áreas inundadas, ou cooperativas de reciclagem fundadas por mulheres no México que mobilizaram centenas de voluntários contra a poluição plástica. Esses casos ilustram que incluir as mulheres na linha de frente da diplomacia e da gestão oceânica resulta em ganhos ambientais concretos, seja através de novas ideias ou de maior engajamento comunitário.


Do ponto de vista diplomático, Guilhon argumentou que agendas de gênero e igualdade são aliadas naturais da proteção marinha. Iniciativas internacionais já reconhecem isso – a ONU, por exemplo, enfatiza que alcançar igualdade de gênero é vital para cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, incluindo o ODS 14 (Vida Marinha). A diplomacia científica oceânica, como a promovida pelo INPO e parceiros, defende uma abordagem inclusiva: isso significa garantir que mulheres cientistas, jovens profissionais e comunidades tradicionais tenham assento à mesa nas discussões globais no nexo Clima-Oceano. Ao fazê-lo, amplia-se o repertório de soluções e assegura-se que políticas resultantes considerem diversas realidades e saberes. “Para resolver os desafios que o Oceano enfrenta, a paridade de gênero precisa estar embutida nas soluções”, afirmaram especialistas – ou seja, não se pode dissociar a saúde do oceano da justiça social. Em resumo, a mensagem da contribuição do INPO foi clara: empoderar mulheres e promover equidade não é apenas justo, mas multiplica a eficácia da conservação oceânica, tornando-a mais sustentável e abrangente.


Durante o painel, Maila Guilhon trouxe uma fala firme e ao mesmo tempo sensível, guiada pela convicção de que igualdade de gênero, inclusão e capacitação são agendas essenciais para a conservação marinha. Sua contribuição se concentrou nesses pilares, mostrando que eles não apenas complementam, mas potencializam os esforços globais de proteção ao Oceano.


A pesquisadora brasileira lembrou que capacitação e participação inclusiva estão entre os desafios centrais da Década do Oceano, conforme estabelecido no Desafio 9, que trata da construção de habilidades, do acesso ao conhecimento e da tomada de decisões participativas por todos. “Este é um desafio que precisamos enfrentar com seriedade se quisermos alcançar o oceano que precisamos — ele já está posto”, afirmou. Ela destacou também que o recém-assinado BBNJ tornou a transferência de tecnologia marinha e o fortalecimento de capacidades um tema transversal e prioritário. Sem isso, observou, países em desenvolvimento simplesmente não terão condições de implementar plenamente os compromissos assumidos, nem de alcançar os objetivos de conservação da biodiversidade ou o ODS 14.


Mas Maila foi além das palavras técnicas. “Esse é um compromisso que pertence a todos nós”, lembrou. E é preciso mais do que compromissos simbólicos… é hora de cumprir as promessas feitas em tantos fóruns e tratados.


A pesquisadora chamou atenção especial para a agenda de gênero. “O mesmo vale para a igualdade: é uma necessidade, não um extra”, afirmou. E não apenas no discurso, mas dentro das estruturas que tomam decisões — nos órgãos subsidiários, nas equipes técnicas, nas lideranças diplomáticas. É necessário reconhecer que mulheres enfrentam barreiras específicas para alcançar a plena capacitação e que, por isso, precisam de apoio direcionado. Não se trata de caridade, mas de compromisso internacional já firmado. O próprio acordo BBNJ inclui dispositivos voltados à igualdade de gênero, bem como o Marco Global da Biodiversidade de Montreal, que o consagra como um dos principais eixos de sua implementação. “Esses compromissos já foram assinados por vários países. Não estamos inventando nada. Está tudo lá”.


Guilhon também trouxe à tona a importância do recorte intergeracional. O papel das juventudes na Década do Oceano tem se tornado cada vez mais claro. “Precisamos garantir que as novas gerações tenham voz — e mais que isso, que tenham espaço real de experimentação e liderança, para fazer diferente do que foi feito até agora”.


Em tom reflexivo, ela apontou que a capacitação real exige tempo, investimento e paciência. Segundo ela, engajar pessoas e transformá-las leva tempo. E muitas vezes, isso não cabe nas expectativas de retorno rápido que algumas organizações ou financiadores projetam. Mas “estamos falando de gente — de formação humana — e isso exige mais do que metas e relatórios. Exige investimento intencional, construído com respeito e colaboração significativa.


Por fim, fez um apelo direto: “Estamos basicamente apressando tudo … e temos muito para alcançar até 2030. Este não é o caminho que deveríamos estar tomando…”. Com tantos compromissos em aberto, essa pressa pode comprometer a qualidade das transformações que queremos ver. De fato, precisamos de tecnologia, sim, e da energia dos jovens, mas acima de tudo, precisamos de relações mais justas, colaborativas e humanas. Senão, continuaremos repetindo erros do passado. E é justamente este ciclo que precisamos romper, se quisermos chegar ao Oceano que queremos e precisamos.



🔚Conclusão


O evento “Diplomacy and the Ocean” reforçou uma visão integrada: só através da diplomacia e da cooperação internacional será possível salvar o Oceano – e, com ele, o nosso futuro.

As discussões deixaram claro que enfrentar as múltiplas crises globais demanda construir pontes entre povos, respeitar as regras e os valores democráticos, e incluir todas as vozes na busca de soluções. A diplomacia, amparada pela ciência, pode mediar conflitos e alinhar esforços para que o oceano deixe de ser vítima e passe a ser vetor de soluções. Ao mesmo tempo, não se pode ignorar as desigualdades e disparidades de poder, por isso a inclusão de gênero, gerações e comunidades diversas, é fundamental para uma governança marítima mais justa e eficaz.


Acima de tudo, prevaleceu a mensagem de que é urgente reequilibrar a relação entre humanidade e natureza, colocando a proteção ecológica no centro das decisões. O atual modelo, movido por interesses econômicos imediatistas, mostrou-se insustentável. Como sintetizado nas palavras de líderes globais, é hora de mudar de rumo: do lucro a qualquer custo para a preservação em benefício de todos. Isso não significa abrir mão do desenvolvimento, mas sim redefinir o progresso de forma compatível com os limites planetários. A boa notícia é que as soluções existem – de novos tratados internacionais a tecnologias azuis inovadoras – e podem ser potencializadas pela vontade política e pela ação coletiva. Tal como o Oceano conecta continentes, esse esforço precisa conectar nações e setores diversos em um pacto pelo futuro.


Em conclusão, a diplomacia – iluminada pela ciência e orientada por valores de cooperação, igualdade e sustentabilidade – desponta como nossa melhor esperança para navegar as águas turbulentas do presente rumo a um Oceano saudável e compartilhado pelas próximas gerações.



Referências


  • Varteressian, M. (2025). Post no LinkedIn destacando resultados da UNOC3 e mensagens centrais da Noruega. LinkedIn .

  • INPO & Universidade de Bergen (2025). Release: UNOC3 – Diplomacia científica oceânica e cooperação internacional. INPO Notícias.

  • Guilhon, M. (2025). Intervenção no painel “Navigating Common Waters: Ocean Science Diplomacy…” no evento Diplomacy and the Ocean. (Notas do evento, comunicação pessoal).

  • Thomson, P. & Lövin, I. (2019). Artigo: “Gender equality has a vital role to play in protecting our oceans”. Atlantic Council .

  • Definições de Diplomacia

  • Itamaraty




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Elisa Homem de Mello é formada em Comunicação Social/UNESP Bauru, pós-graduada em Detrito Marinho/OU NL e Economia Circular/TU Delft. Há mais de duas décadas escreve sobre sustentabilidade na EBVB. Na Liga, desde 2020, colaborou com vários Projetos e Campanhas, já foi Coordenadora, e atualmente, colabora com a produção da Newsletter da Liga das Mulheres pelo Oceano.











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