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  • Isabela Moreira

Liga Convida: Loreley Gomes Garcia Especialista em gênero, desenvolvimento e meio ambiente

Atualizado: 13 de jul. de 2021

Sobre o Ecofeminismo


Para a poetisa Ursula Le Guin (1989), a natureza selvagem está respondendo às nossas ações como nunca. Novas vozes se fazem presentes. As mulheres estão falando como porta-vozes da natureza, elas agem e falam para si mesmas, pelas outras pessoas, pelos silenciosos e silenciados, pelos animais, árvores, rios, rochas. Falam sobre o valor e a sacralidade da vida.


Ecologismo e feminismo são movimentos que pretendem subverter a ordem hierárquica do mundo e substituir a distribuição de um poder verticalizado por um poder diluído por toda a sociedade. Esses movimentos, em suas várias vertentes, propõem a criação de uma nova cultura e o resgate de antigas tradições, diferentes daquelas que forjaram a civilização industrial, bélica, falocêntrica, racista, sexista e “especista”.


A Ecologia surgiu para estudar os sistemas ambientais, analisar o modo como as comunidades naturais se organizam e mantêm a teia da vida. Observa-se que, entre as rupturas produzidas no interior de um ecossistema, capazes de extinguir plantas ou animais, a intervenção humana aparece como a causa principal. Hoje, a Ecologia ampliou seu campo de ação para incorporar estudos socioeconômicos, resultantes dos usos que os seres humano fazem da natureza e que provocam poluição do solo, ar e água, descaracterizando os ecossistemas, destruindo animais e plantas e ameaçando as bases da integridade da vida no planeta.


O Feminismo, por outro lado, também é um movimento complexo que costuma vicejar nas sociedades, refinando a democracia, com o objetivo de garantir a equidade entre os sexos, garantindo a cidadania integral a todos os membros da sociedade. Para isso, busca promover o empoderamento da mulher através da sua efetiva integração em todos os campos e garantir os mesmos direitos políticos e oportunidades econômicas para todos.


Rachel Carson escreveu o livro Primavera Silenciosa (1962), um marco do movimento ambientalista mundial, cujo impacto ressoou na consciência dos cientistas, filósofos e políticos, intensificou os estudos na área ambiental e promoveu o ingresso do tema no debate político. Mas Carson não pensa em termos do Ecofeminismo, que só surgirá 12 anos depois, a partir de obras importantes que trarão um novo balizamento ao pensamento ecológico.


A emergência do Ecofeminismo, nas décadas de 1970 e 1980, vai influenciar as teorias feministas e ambientais no mundo acadêmico e manter um vínculo com o ativismo político. O Ecofeminismo seria um divisor de águas que inauguraria a Terceira Onda do Feminismo e uma atualização da Ecologia Profunda.


Entendemos que o Ecofeminismo é uma das mais radicais correntes do movimento ambientalista quando propõe desestabilizar as bases da civilização que separa natureza e cultura e hierarquiza os sexos. Trata-se de um enlace filosófico com orientações práticas que examina e critica a desvalorização histórica e mutuamente articulada da mulher e da natureza. São ideologias partilhadas que sustentam múltiplas formas de dominação com base no gênero, raça, orientação sexual, idade e etnia. Essa matriz mental funda e alimenta todas as formas de opressão e dominação. A ideia central do Ecofeminismo é que classismo, racismo, sexismo, heterossexismo e especismo estão interconectados porque se originam da mesma matriz: a lógica que entende as relações como dominação e obediência, a partir de uma lógica dualista.


Quando colocamos a exploração da mulher e da natureza no interior de um contexto histórico mais que numa explicação baseada na pretensa vocação feminina para o cuidado, nos deparamos com a possibilidade efetiva de provocar mudança nas atitudes, pois a dominação também tem raízes históricas, sendo, portanto, passível de mudança de acordo com a direção dos ventos nos processos históricos.


A grande novidade é que o Ecofeminismo traz críticas ambientais ao feminismo tradicional e, ao mesmo tempo, críticas feministas ao debate ambiental. Ele entrecruza os ativismos ambientais e feministas e inúmeros estudos nas décadas de 1980 e 1990. O Ecofeminismo congrega o que estava separado, fragmentado e promove uma conexão radical, combinando perspectivas ecológicas e feministas por meio de uma ótica complexa e transgressiva.


O Ecofeminismo é um movimento social, mas também é um discurso teórico. Como movimento social, define-se como o potencial e o envolvimento das mulheres na preservação e conservação da natureza. Na história recente, observa-se que elas têm cerrado fileiras em torno do movimento ambientalista no mundo inteiro.


Após a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Rio 92), aumentou o número de movimentos de mulheres envolvidas com o ambientalismo, biodiversidade, mudança climática e conservação dos recursos naturais. Elas forneceram à análise de gênero e dos direitos humanos o escopo do ambientalismo.


Porém, se as mulheres são as mais preocupadas com a questão ambiental, elas também são as menos participativas nos projetos ambientais. Os motivos são vários e incluem até as restrições culturais que as impedem de participar.


Na maior parte do mundo, as mulheres estão pouco representadas nos governos e nos organismos decisórios. Essa falta de representação limita a influência feminina na elaboração de políticas e programas. As mulheres carecem de canais oficiais nos quais possam colocar suas necessidades e decidir os rumos da política ambiental. Segundo Amartya Sen (1999), não há desenvolvimento sem igualdade de gênero e inversão das desvantagens sociais e econômicas que tornam as mulheres mudas e impotentes; isso também impacta negativamente o meio ambiente.


Alguns países já incorporaram a perspectiva de gênero nas políticas ambientais e desenvolvem ações baseadas em informações desagregadas por sexo, como dados sobre o acesso e o uso dos recursos e participação nas decisões ambientais, contribuindo para solidificar as políticas de transversalidade de gênero.


A Rio 92 e a Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher (Pequim, 1995) reconheceram as contribuições das mulheres na gestão ambiental e propõem reforçar seu papel na tomada de decisões, garantindo sua participação na formulação, planejamento e execução da política ambiental, ainda baixa em todos os níveis, nacionais e internacionais.


É preciso ter claro que, embora a participação da mulher nos processos decisórios e nas instâncias de poder tenha aumentado significativamente nas últimas três décadas, ainda não existe equidade entre os sexos. O poder ainda está concentrado de forma desigual, o que nos remete à questão da desigualdade de gênero.


Os governos nacionais se comprometeram a implementar as Estratégias Prospectivas de Nairóbi para o Progresso da Mulher (1985), particularmente a participação no manejo dos ecossistemas e o controle da degradação ambiental. Nem todos cumpriram a contento o compromisso de aumentar a proporção de mulheres nas esferas de decisão, planejamento, assessoria técnica, manejo e divulgação sobre o meio ambiente e desenvolvimento. Essas seriam medidas que ajudariam a eliminar obstáculos jurídicos, culturais, comportamentais, sociais e econômicos que impedem a participação da mulher no desenvolvimento sustentável e na vida pública.



Autora: Loreley Garcia Gomes

Graduada em Ciências Sociais, Mestre em Ciência Política e doutorado em Sociologia, é uma especialista em assuntos de gênero, desenvolvimento e meio ambiente.











Referências utilizadas:

CARSON, Rachel. Silent Spring. Boston: Houghton Mifflin, 1962.

LE GUIN, Ursula. Women/Wilderness, In: PLANT, Judith (ed.) Healing the Wounds.

Philadelphia: New Society, 1989.

SEN, Amartya. Sobre Ética e Economia. São Paulo: Cia. das Letras, 1999.

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