Por Catarina R. Marcolin
Sempre sonhei com a maternidade. Idealizei, já me decepcionei e até mesmo a rejeitei. Na minha pequena experiência de vida percorri todos esses sentimentos, tão fortes e contraditórios, mas muito reais. Desde quando meu primeiro sobrinho nasceu, que fiquei encantada com a possibilidade de ser mãe. Ao mesmo tempo, sempre fui questionadora do lugar da mulher no mundo e muito segura de que eu deveria ter uma carreira profissional e independência financeira.
Quando entrei no curso de ciências biológicas, já comecei a trilhar uma carreira acadêmica nas áreas de biologia marinha e oceanografia. Não demorou muito até eu me dar conta que conciliar esse tipo de carreira com a maternidade seria um desafio. Não se falava sobre isso nos corredores universitários e não tinha acesso à literatura científica que hoje dispomos sobre o assunto, mas já conseguia perceber que o caminho para conquistar uma posição como pesquisadora no Brasil era longo e mal remunerado até a conquista da estabilidade financeira.
Uma carreira acadêmica no Brasil (especificamente a de professora/pesquisadora universitária) exige que você faça mestrado, doutorado, muitas vezes um ou mais pós-doutorados, até que você tenha currículo suficiente para conseguir ser aprovada em um concurso. Enquanto não passamos num concurso, vivemos com uma bolsa-auxílio de valor muito pequeno, pela qual é preciso concorrer. Durante este tempo, somos consideradas estudantes de pós-graduação e não profissionais de fato, embora os “estudantes” de pós-graduação sejam responsáveis pelo desenvolvimento da maior parte da produção científica brasileira.
Em 2015 iniciava meu pós-doutorado quando, juntamente com algumas amigas, criamos um blog de divulgação científica na área de ciências do mar, mas também discutindo desigualdade de gênero nas ciências, o Bate-Papo com Netuno. Tivemos dois posts de estreia, um deles falava justamente sobre maternidade e carreira acadêmica e apresentava dados científicos sobre uma maior desistência da carreira por parte das mulheres, caso elas tivessem filhos antes de fazer um pós-doutorado. Com os homens, isso não acontecia. Esse texto me fez refletir muito sobre meus planos para o futuro, como eu iria lidar com isso, até quando eu teria paciência para esperar?
Além das minhas próprias reflexões, a família pressionava com um emprego fixo, para que tivesse filhos antes de estar muito velha etc. Do outro lado da linha, ouvia sugestões de pessoas que até pareciam ter uma preocupação genuína e me recomendavam: “Vê se não engravida durante o doutorado, senão isso acaba com sua carreira”. Ou outros comentários mais obviamente maldosos do tipo: “Está esperando passar num concurso para ter filhos? Que golpista!”. O interessante é que nenhuma dessas pessoas parecia se incomodar com o porquê de a maternidade ser um problema para minha carreira e a de tantas outras mulheres, era apenas a constatação de algo com o qual deveríamos nos conformar.
Para além desse drama, o que mais me angustiava era que a tal estabilidade da carreira acadêmica não era uma certeza, era preciso passar num concurso. Tive vários momentos que pensei em desistir, porque parecia difícil demais. Desde 2015, já tínhamos muitos doutores(as) supercompetentes e prontos para assumir um cargo como docente numa universidade, mas sem muitas vagas. Quando estava quase desistindo da carreira, fui chamada num concurso em havia sido aprovada (mas não classificada entre as vagas) 6 meses antes. Foi um momento de muita alegria, pois amo fazer ciência. Hoje quando as coisas estão difíceis no trabalho, e isso acontece com bastante frequência, ainda tento me lembrar da sensação de quando fui aprovada.
Dois anos depois minha filha nasceu e passei pelas maiores alegrias e tristezas da minha vida. Era muito amor, sofrimento, exaustão e a sensação de que nada voltaria a ser como antes. Os primeiros dois anos foram especialmente difíceis. A carreira, que sempre foi prioridade, foi deixada de lado, passei os próximos dois anos sem publicar nada. Ao mesmo tempo em que eu amava profundamente minha filha, eu dizia que nunca mais teria filhos. Depois de ler o livro “Maternidade”, de Sheila Heti, tive total segurança de que outra criança jamais caberia em minha vida. Era impossível imaginar retomar a carreira de pesquisadora, acumulando as inúmeras funções do cargo e passando por tudo aquilo novamente. Mas a medida em que minha filha foi crescendo, ganhando independência, aos poucos consegui superar o trauma de ser mãe. E depois de tanta rejeição ao desejo do meu marido de ser pai de uma dúzia de crianças, eu não imaginaria que estaria grávida e a poucas semanas de receber mais uma menina neste mundo.
Hoje entendo melhor os impactos da maternidade na minha carreira, que certamente são diferentes dos impactos que acontecem na carreira de outras mulheres cientistas, com histórias e percursos diferentes. Como eu fui mãe após ter sido aprovada num concurso, não corro o risco de perder o emprego, mas ainda precisarei de vários anos até conseguir me tornar competitiva o suficiente para conseguir competir por recursos para desenvolver projetos de pesquisa sob minha liderança. Neste meio tempo não poderei deixar de tentar firmar parcerias que me permitam seguir produzindo e seguirei exausta tentando conciliar trabalho e cuidados com a casa e as crianças.
Mas agora tenho a maturidade de perceber que as crianças crescem, que os impactos da maternidade sobre a carreira não são eternos e que posso lutar para mudar essa realidade. Felizmente, hoje temos o maravilhoso Parent in Science, que escancara o impacto da maternidade sobre a carreira das mulheres e que além de produzir dados, questiona essa realidade e possui iniciativas de apoio a mães cientistas. Pois, infelizmente, nossa sociedade ainda não vê a universidade como um espaço adequado para mulheres mães. Não temos banheiros com trocadores, não temos creches, não temos espaços para crianças nas universidades. E se não há espaço para crianças estamos também excluindo suas mães.
Vale lembrar que incentivos para mães cientistas não implicam em uma ditadura das mães. Apenas buscam melhorar a equidade de gênero nas universidades, oferecendo apoio para a sobrecarga de trabalho que uma criança promove na vida dessas mulheres, pois ainda não temos uma sociedade que se co-responsabiliza pelos cuidados com as crianças. Assim podemos evitar o abandono de carreiras e permitimos que essas mulheres continuem a exercer sua profissão.
Para finalizar essa reflexão, se queremos uma ciência mais diversa e inclusiva, precisamos parar de julgar as mulheres por suas decisões e oferecer apoio, quando necessário. Explico, quando uma mulher decide ser mãe ou simplesmente engravida, precisamos oferecer apoio para que ela siga na carreira científica, se desejar, ao invés de julgá-la como alguém que prioriza a vida pessoal em detrimento de sua carreira. Se uma mulher decide não ter filhos, ela não deve ser julgada como uma pessoa egoísta que só pensa na carreira. Se uma mulher decide ter um filho ao invés de dois ou três, ela não precisa ser julgada como a mãe de uma criança que vai ser terrível porque nunca vai aprender a dividir. Ou seja, precisamos de mais acolhimento, menos julgamento.
Sobre a autora:
Catarina Marcolin, embora nascida no interior, sempre foi apaixonada pelo mar e pela natureza. Bióloga, com doutorado em oceanografia biológica, é co-fundadora do Bate-papo com Netuno, um sonho que virou realidade porque 7 mulheres ousaram sonhar juntas. Atualmente leciona na UFSB em Porto Seguro, BA, onde coordena o Laboratório de Estudos Planctônicos e Divulgação Científica (LEPLAD), o que a possibilitou explorar novas paixões de pesquisa para lutar por um mundo com mais equidade.
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