top of page

Prognósticos Abissais

  • Foto do escritor: Colaboradoras da Liga
    Colaboradoras da Liga
  • há 1 dia
  • 10 min de leitura

Atualizado: há 12 horas


Por Elisa Homem de Mello e Paula Silva Pereira


No dia 8 de junho, celebramos o Dia Mundial do Oceano. 


Desempenhando um papel fundamental na regulação do clima de todo o planeta, na produção de mais de 50% do oxigênio (O₂) existente na atmosfera, fundamental na sustentação da biodiversidade e de mais de 40% de toda população mundial, direta e indiretamente, o ecossistema marinho segue sofrendo pressões e ameaças por alterações climáticas. As principais ameaças são relacionadas ao aumento das emissões de dióxido de carbono (CO₂), aumento da temperatura e do nível do mar, perda de biodiversidade, acidificação, sobrepesca, poluição (especialmente a plástica) e, principalmente, o descaso por parte de muitos governos e indústrias ao redor do mundo. Este, infelizmente, é o cenário atual…. Às vésperas da Conferência para o Clima - COP 30 -, de Belém do Pará.


Atualmente, nos encontramos na metade do período instituído pela ONU para os dez anos em que o tema marinho é o holofote mundial. A Década do Oceano é um momento decisivo que pode ajudar a definir se conseguiremos reverter o quadro emergencial de degradação marinha e atingir os objetivos da Agenda 2030, além dos 10 desafios em que a Década Oceânica foi estruturada, ou se vamos ultrapassar pontos de não retorno. 


Embora muitas ações estejam sendo propostas e realizadas, dados estatísticos sobre a biota marinha dos últimos anos são abissais. O Relatório da ONU (ano base 2024) sobre os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável alerta que menos de um quinto das metas estão sendo cumpridas. 


Em um contexto de intensificação de mudanças climáticas, a terceira Conferência das Nações Unidas para o Oceano (UNOC-3) organizada, este ano, pelos governos da França (onde a Conferência irá acontecer, de 9 a 13 de Junho) e da Costa Rica, terá papel determinante no sentido de reforçar o compromisso global firmado para estruturar um oceano saudável para todos os seres que habitam o planeta. 


Segundo a Organização Meteorológica Mundial (WMO), 2024 foi considerado o ano mais quente da história, registrando um recorde ao ultrapassar a marca de 1,55 °C (acima dos níveis pré-Revolução Industrial), ou seja, 0,05 °C além do limite determinado pelo Acordo de Paris, dez anos atrás. Como consequência, a temperatura global da superfície do mar chegou a 20,87 °C.


 

El Niño e El Plástico


É necessário considerar a influência de outros fatores, como o fenômeno El Niño, que gera impactos diretos no aumento da temperatura global. O El Niño ocorrido entre junho de 2023 e abril de 2024 foi considerado o 3º mais forte já registrado desde então. Entretanto, registros da temperatura do Oceano, feitos a partir de maio de 2024, seguiram em aumento, e os cientistas acreditam que as mudanças antrópicas devem ser a principal causa. 


O relatório Estado dos Oceanos (2024) diz que a temperatura do Oceano é duas vezes maior do que há 20 anos. Isto interfere diretamente na perda de cobertura de gelo marinho nas regiões polares e, consequentemente, no aumento do nível do mar que, desde 1993 até 2023, totalizou cerca de 9 cm. Para atingir a meta do Acordo de Paris, é necessário reduzir as emissões mundiais de CO₂ em 42%, até 2030, e 57%, até 2035, segundo o relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). No ano de 2023, o Brasil ficou entre os 12 países que mais emitiram CO₂ apenas com o uso territorial (sem considerar uso de terras, comércio e aviação). O aumento da temperatura e excesso de dióxido de carbono modificam a composição química do Oceano. Desde a Revolução Industrial, a acidificação já aumentou 30% e, desde a década de 60, o Oceano perdeu 2% de seu oxigênio.


O plástico nos mares “anda” conforme as correntes marinhas e corresponde a 80% de toda poluição oceânica. A maior parte da poluição de microplásticos vem de tecidos, pneus e poeira urbana. Hoje, há mais de 358 trilhões de partículas de microplásticos (menor que 5 mm) primários e secundários no Oceano (UNEP), presentes em todos os níveis tróficos de organismos marinhos, até em sedimentos do oceano profundo. Essas partículas podem acumular poluentes e transpor barreiras biológicas, como membranas epiteliais. Além disso, a produção plástica corresponde a 4,5% das emissões de gases do efeito estufa (GEE), com projeções de aumento de cerca de 60%, até 2040, em comparação com os níveis de 2020 (ISC, 2025). A região do mundo que mais produz e despeja plástico no Oceano é a Ásia, mas o Brasil está entre os países com a pior gestão de resíduos, sendo um dos que menos recicla. Os principais responsáveis por esses números são os plásticos descartáveis, cuja taxa de reciclagem é baixíssima, além de compreenderem cerca de 50% de toda produção plástica. Segundo o relatório “Estado do Oceano” (UNESCO), a produção anual de plásticos é de aproximadamente 450 milhões de toneladas, com previsão para dobrar até 2045.



E a Biodiversidade? 


A biodiversidade de todo o mundo já caiu cerca de 25%, desde o início da ocupação humana no planeta (WWF Brasil). Com as mudanças climáticas, aumento da poluição, acidificação,  sobrepesca, perda de habitats e falta de disponibilidade de alimentos, algumas espécies, principalmente aquelas que só sobrevivem em determinada faixa de temperatura e não podem migrar, encontram-se mais vulneráveis, como, por exemplo, ursos polares, pinípedes, recifes de corais e organismos que possuem conchas de carbonato de cálcio (CaCO). Segundo a União Internacional pela Conservação do Planeta (IUCN), em 2022, mais de 1.550 -  de um total de 17.903 espécies marinhas - estavam em risco de extinção, sendo que as mudanças climáticas impactam pelo menos 41% destas espécies. Segundo dados da NOAA do ano passado, cerca de 70% a 90% dos corais construtores de recifes serão extintos, caso o planeta consiga limitar a meta de temperatura estabelecida no Acordo de Paris. Mas se as temperaturas subirem 2°C, perderemos 99% destas espécies. De acordo com a Rede Global de Monitoramento de Recifes de Coral (2020), entre 2009 e 2018, o mundo perdeu cerca de 14% da cobertura de corais. O período entre 2023 e 2024 foi marcante para estes ecossistemas, devido ao maior evento de branqueamento em massa já registrado, confirmado em cerca de 83,7% da área global, cobrindo mais de 83 países e territórios (NOAA). Infelizmente, este tipo de evento tem se tornado cada vez mais frequente e intenso, uma vez que o fenômeno El Niño também tem acontecido com intervalos menores. Os recifes da Grande Barreira de Corais da Austrália, por exemplo, registraram, em abril de 2024, 80% de branqueamento, com morte de 44% das colônias em julho do mesmo ano, sendo que algumas espécies do gênero Acropora, registraram uma taxa de mortalidade de 95%, segundo pesquisadores da Universidade de Sydney. Até mesmo os corais da costa brasileira, muitos deles espécies endêmicas bem adaptadas às condições hidrodinâmicas e de maior turbidez das águas, e consideradas menos suscetíveis aos estresses das mudanças climáticas, sofreram com a temperatura do mar  no ano passado, que chegou a 34 °C, muito acima do limite de tolerância. Apesar de os corais conseguirem se recuperar dependendo das condições, intervalos para recuperação estão cada vez mais curtos, e essa fragilidade acaba facilitando o surgimento de doenças. Além do aumento da temperatura, também deve-se considerar a acidificação e a poluição como agentes causadores do branqueamento. Cerca de 26 espécies de corais do Oceano Atlântico estão na lista da IUCN como criticamente ameaçadas.


Figura 1. O mapa mostra as regiões ao redor do mundo que experimentaram altos níveis de estresse térmico acumulado, com níveis de Alerta de branqueamento de corais de 2 a 5. Fonte: Coral Reef Watch (NOAA).
Figura 1. O mapa mostra as regiões ao redor do mundo que experimentaram altos níveis de estresse térmico acumulado, com níveis de Alerta de branqueamento de corais de 2 a 5. Fonte: Coral Reef Watch (NOAA).

Os dugongos, mamíferos marinhos que se distribuem desde a costa leste da África até o Japão, incluindo Sudeste Asiático e Austrália, já registraram populações extintas em alguns países, como Taiwan e Maldivas. Em 2022, a IUCN declarou a população de dugongos da China como funcionalmente extinta. Todo o ano, 7% dos bancos de gramas marinhas, principal fonte de alimento desses animais, são perdidos. Cerca de 71% das 21 espécies de abalone, um tipo de molusco marinho comercializado para consumo humano, encontram-se ameaçadas, principalmente devido à acidificação, sobrepesca e doenças. A vaquita, menor mamífero marinho que habita o Golfo do México, segue resistindo com cerca de menos de 20 indivíduos estimados para a espécie, que vem sofrendo há 20 anos com a captura acidental. Populações de várias espécies de baleias que estavam próximas da extinção se encontram em recuperação, principalmente as do hemisfério Sul, graças aos esforços na criação de leis de proibição da caça e de áreas e/ou santuários de proteção. Mesmo assim, com as mudanças climáticas, sua principal fonte de alimento e áreas de uso e migração estão ameaçadas.


Em relação à pesca, dados oficiais são subestimados. Além da pesca ilegal, ainda existem as que não são relatadas e acabam não entrando nas estatísticas.  O consumo mundial de alimentos de origem aquática é maior que o consumo de animais terrestres e teve uma tendência de aumento, a partir de 1960. Segundo a FAO, a quantidade de populações sobre-exploradas mantém uma tendência de aumento, enquanto as pescadas de forma sustentável estão reduzindo. Todos os anos, cerca de 100 milhões de tubarões morrem! Só em 2023, quase meio milhão de tubarões-azuis, espécie considerada quase ameaçada pela IUCN, morreram no Oceano Pacifico devido à pesca acidental e, este ano, o governo brasileiro incluiu a espécie dentre as permitidas para a pesca regular. O Conselho Marinho Administrativo (MSC), cujo objetivo é acabar com a sobrepesca, apresentou números positivos: a quantidade de pescas envolvidas no MSC subiu de 674, entre 2022 e 2023, para 716, entre 2023 e 2024, cerca de 19,3% do total da pesca marinha, entre 2023 e 2024. Atualmente, em uma escala global, 75% das capturas comerciais de peixe branco (sendo 91% de salmão e mais de metade de atum) participam do Programa. Apesar dos números positivos, é necessário considerar as críticas e contradições existentes no programa de certificação de pesca, que se diz sustentável, do MSC. Há denúncias de que os padrões para certificação caíram nos últimos anos e da presença de certificação em pescas que não fazem o uso de práticas sustentáveis e/ou estão envolvidas com bycatch.



Data Centers


Em investigações realizadas no sistema de Inteligência Artificial (IA) sobre data centers, é possível descobrir mais uma ameaça ao Oceano. 


Data Centers se tornaram manchetes de jornais há algum tempo, por conta de promessas incríveis de mercado de trabalho e riqueza. Desde que o atual presidente norte-americano, Donald Trump, assinou com os Emirados Árabes Unidos a construção de um data center gigante (do tamanho do Principado de Mônaco) em Abu Dhabi, o tema disparou nos noticiários. Outras empresas também estão construindo esses computadores gigantescos no espaço e no Oceano, e o problema é que a geração de riqueza das populações do entorno onde são construídos os data centers nem sempre se concretiza e, tanto população quanto meio ambiente, sofrem com isso.


De olho no Brasil, em sua mão de obra barata e sua fartura de recursos naturais, a chinesa Tik Tok espera construir seu mega data center numa localidade com histórico severo de seca. E o Governo pensa em criar uma série de medidas que possam eliminar a burocracia existente, dentre elas um plano nacional que, mesmo sem ter sido aprovado, já foi levado pelo Ministério da Fazenda para o conhecimento de investidores do Vale do Silício.

Fato é que, desde 2023, nas mais de 80 reuniões já realizadas para discutir o tema dos data centers, a Pasta Ambiental sequer foi chamada. Compreender o impacto ambiental gerado com a construção desses data centers é fundamental e não é coisa que se possa ser feita com a população local apenas, que, muitas vezes, nem alcança a dimensão do problema.

Os computadores que estes centros armazenam necessitam de muita água para serem resfriados. Entretanto, nenhuma empresa é obrigada a informar seu consumo hídrico aos órgãos competentes. A Federação também não é obrigada a divulgar quem são as agências licenciadoras, uma vez que isso vai de encontro à lei de sigilo industrial e por isso retém toda a documentação técnica destas agências.



Chamado do Oceano


Todo ano, a organização da Década do Oceano abre chamadas para a inscrição de “Ações da Década”, ou seja, iniciativas que estão sendo implementadas em todo o mundo por institutos de pesquisas, governos, ONGs, educadores, fundações, empresas, grupos comunitários, sociedade civil, entre outros, como uma forma de criar uma rede de colaboração, apoio e possibilidades de financiamento de projetos. Desde o início da Década, mais de 500 projetos foram lançados em todas as regiões do mundo e mais de 1 bilhão de dólares foram mobilizados. Infelizmente, o Oceano como um todo ainda é pouco conhecido, então, estamos literalmente em uma corrida contra o tempo, para monitorar e gerar conhecimentos para, assim, melhorar a robustez de estratégias de ações para sua proteção. 


Entre algumas iniciativas, destacam-se: Programa de Censos Oceânicos, que já descobriu mais de 800 novas espécies marinhas nos últimos 2 anos; Seabed 2030, que já aumentou em 20% os conhecimentos detalhados sobre batimetria do fundo marinho; The Ocean Cleanup, que já removeu mais de 20 milhões de quilos de plástico do Oceano e de rios até o ano passado, e tem como meta agir em todos os outros oceanos e nos 1.000 rios mais poluídos do mundo; Blue Parks, que já reconheceu 30 MPAs em 23 países, cobrindo 3,5 milhões km2, cerca de 1% do oceano global; MIGRAVIAS que está criando corredores seguros no Pacífico Oriental, ligando MPAs e protegendo espécies migratórias; projetos liderados por mulheres e indígenas de países do Sul Global para gestão costeira, pesqueira, criação de MPAs e conservação marinha em seus territórios, entre muitas outras. O Brasil se destacou sendo pioneiro mundial ao incluir a educação oceânica no currículo escolar, que deve ser adaptado às realidades locais e regionais de cada escola. O impacto positivo no acesso à informação será enorme, aumentando a participação, o envolvimento e engajamento de jovens de diferentes realidades e criando um sentimento de pertencimento a esse ecossistema que está integrado a todos nós.


Lançado em 10 de outubro de 2024, durante o Fórum da Aliança para a Investigação e Inovação sobre o Oceano Atlântico 2024, no Canadá, o Relatório “Ambição, Ação, Impacto: O Caminho da Década dos Oceanos até 2030 – Resultados Consolidados do Processo da Visão 2030” identifica prioridades e ações transformadoras que devem ser realizadas para avançarmos. Para cumprir as recomendações, assim como transpor seus desafios, tendo em vista os dados negativos apresentados pelo Relatório da UNESCO “Estado do Oceano”, serão necessários reforços maiores e mais políticas nacionais e internacionais com integração da cosmovisão dos conhecimentos indígenas e tradicionais, assim como maior participação e representatividade das mulheres e de pessoas de diferentes raças e classes sociais, principalmente dos países do Sul Global, os mais afetados pelas consequências da situação alarmante em que nos encontramos. Também destaca-se a necessidade de apoio e desenvolvimento de sistemas de gestão adaptativa, resiliente e de vulnerabilidade de riscos, já que cerca de 40% da população mundial vive em áreas costeiras. Deve-se haver um aumento da regulamentação e criação de Áreas de Proteção Marinha (MPA), aprimoramento de modelos climáticos, aumento de investimento financeiro na ciência, monitoramento, infraestrutura, inovação e tecnologia, comprometimento por parte do setor industrial e dos líderes políticos mundiais.  Idealmente deve haver uma mudança sistêmica, radical e de paradigma, considerando a insustentabilidade socioambiental do sistema econômico capitalista, onde o consumo e o lucro são mais importantes que as pessoas e a Natureza. Além disso, é fundamental o estreitamento de laços entre cientistas e comunicadores, para tornar o conhecimento científico mais acessível para a sociedade como um todo.



Elisa Homem de Mello, 52, é formada em Comunicação Social/UNESP Bauru, pós-graduada em Detrito Marinho/OU NL e Economia Circular/TU Delft. Há mais de duas décadas escreve sobre sustentabilidade na EBVB. Na Liga, desde 2020, colaborou com vários Projetos e Campanhas, já foi Coordenadora, e atualmente, colabora com a produção da Newsletter da Liga das Mulheres pelo Oceano








Paula é oceanógrafa (UERJ), trabalha com monitoramento e conservação de mamíferos aquáticos e mitigação de impactos da indústria nestes animais. Integrante da Liga das Mulheres pelo Oceano, iniciou sua colaboração em 2025 produzindo conteúdo para a Newsletter e como participante do GT Década. Atua como voluntária em projetos de conservação marinha e educação ambiental.







Comentarios


© 2024 Liga das Mulheres pelo Oceano

  • instagram
  • facebook
bottom of page