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Semana de Retiro dos Negros nas Ciências Marinhas!

BIMS WEEK RETREAT

Por Bárbara Pinheiro


Quando você ingressa na Academia, a participação em congressos, conferências e workshops sempre representa um momento de troca de informações, atualizações, aprendizado, networking, fazer novos amigos e reencontrar antigos colegas. 


No entanto, a cada ano que passa, a maioria desses eventos apresenta taxas de inscrição altíssimas, tornando-se muito difícil participar dos congressos da sua área. Até mesmo para os professores universitários, imagine para alunos de graduação, pós-graduação ou pesquisadores em início de carreira?! Eu, por exemplo, nunca tive condições de ir ao Congresso Internacional dos Recifes de Coral, que ocorre a cada 4 anos... e desde a graduação, sonho em um dia ir. Mas minha realidade de mulher negra, nordestina e não herdeira sempre pesou na hora de juntar algum dinheiro e a ida para um congresso acaba indo para o fim da fila nas prioridades, pelo menos as que envolvem questões de autofinanciamento. 


A parte boa é que também existem alguns financiamentos para participação nesses eventos. Já me inscrevi para todos (risos)... os das Fundações de Amparo à pesquisa, os da Universidade, os das associações científicas que organizam os eventos… a concorrência para conseguir é enorme, mas eu nunca deixo de aplicar!


E foi assim, numa dessas aplicações para conseguir auxílio financeiro para participar de um evento, que eu cheguei em Norfolk/Virgínia (EUA) para participar da BIMS WEEK que rolou entre os dias 26 de novembro e 2 de dezembro.


Bárbara Pinheiro no Retiro de pesquisadores negros nas ciências marinhas. Estados Unidos da América. Nov/Dez 2023.

Eu quase nem acreditei quando recebi o email de confirmação! Foi um corre-corre danado! Mas deu super certo! E daí, já ficam 3 dicas importantes: 1- nunca deixe de aplicar para uma possibilidade de financiamento para participar de um evento que você queira muito ir; 2- tenha sempre seu passaporte com validade de mais de 6 meses, 3 - e sempre que possível tenha o visto para países como os Estados Unidos, cujos processos são demorados, embora os vistos valham por 10 anos


Eu sou membro da Organização Americana de Mulheres Negras na Ecologia, Evolução e Ciências Marinhas (BWEEMS) desde a pandemia, e já tinha tido conseguido auxílio financeiro para participar da primeira conferência (presencial) das membras da BWEEMS, que ocorreu em janeiro, em Miami/Florida (USA). Durante uma de nossas reuniões mensais, as mulheres da secretaria anunciaram que haveria mais uma oportunidade de conseguir financiamento para participar da Semana de Pesquisadores Negros das Ciências Marinhas. Fiquei na dúvida se me inscrevia, mas não ia deixar de seguir a minha própria dica! Me inscrevi, achando que seria difícil conseguir dois financiamentos para congressos internacionais no mesmo ano. E, na realidade, foi. Inicialmente, fiquei na lista de espera, mas como a resposta saiu muito próxima da data do evento, algumas mulheres desistiram de ir. Mas eu não tinha problemas nem com o passaporte, nem com o visto e entrei para o grupo das contempladas com a inscrição no evento, com passagem aérea e estadia, além dos jantares no barco e o Baile de Gala do Encerramento do BWEEMS!


Mas, para além dessa história de persistência e sorte, eu quero compartilhar com vocês um pouco do que é vivenciar uma conferência feita POR negros e PARA negros nas ciências marinhas. Antes algumas reflexões… se você é da área, faça um exercício mental e tente contar quantas pessoas negras (pretas ou pardas) você tem ou teve como professora ou professor na universidade e conta para a gente nos comentários! 


Enquanto eu estava no BWEEMS, saiu a publicação de uma pesquisa do Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ação Afirmativa, feita por Luiz Augusto Campos e Marcia Rangel Candido, mostrando os números da desigualdade racial nas ciências brasileiras. Recomendo muito a leitura, só acessar aqui!  Lá nos Estados Unidos, menos de 2% dos estudantes de pós-graduação e menos de 1% dos professores efetivos da área de Geociências se identificam como negros ou afrodescendentes - deixo o link desta constatação: ISMA e colaboradoras, 2023. Aqui no Brasil, segundo essa pesquisa recém-publicada, 3,5% dos pesquisadores brasileiros da área de Geociências se declaram pretos, pardos ou indígenas! Logo, a chance de eu encontrar em conferências científicas outros pesquisadores negros é bem pequena! 


Porque eu trouxe esses dados para a conversa? Para vocês terem noção da minha felicidade quando participo de eventos feitos por negros e para negros quero apenas dizer que Representatividade importa! Reconhecer-se por todos os lados nos outros é acolhedor, é reconfortante! Ouvir as histórias de superação de cada cientista que proferiu sua palestra, sobre os mais diversos temas, engrandece a alma. Discutir questões de destaque para a ciência como a relação oceano-clima e ver na mesa redonda uma pesquisadora contar que é uma refugiada do clima, que perdeu sua casa e seu trabalho na última temporada de furacões no Caribe e sentir sua força e resiliência tão grande, quanto a dos recifes e manguezais que ela estuda é simplesmente atordoante! Mais: ver a mobilização imediata após a fala dela, todos querendo ajudar de alguma maneira, todos preocupados em contribuir com uma mudança de fato, recarrega a energia. Racismo Ambiental e Justiça Climática são conceitos compreendidos e compartilhados em cada olhar! Empatia a cada sorriso! E foram muitoooos durante essa semana! No final de cada sessão, uma celebração! Muita dança, muita música, muita alegria de estar ali, compartilhando aquele momento no tempo e no espaço.


Mesa redonda no Retiro de pesquisadores negros nas ciências marinhas. Estados Unidos da América. Nov/Dez 2023.

Outro momento que me marcou foi a Mesa Redonda sobre Colaborações Internacionais, onde todos os palestrantes eram do Sul Global ou do Caribe: África do Sul, Tanzânia, Ilhas Seychelles, Nigéria e Jamaica. Mas ninguém da Europa ou mesmo dos Estados Unidos! Ouvimos os depoimentos, as dicas e diretrizes para promover uma colaboração científica significativa com os países do Sul Global.  Destaco os casos dos pesquisadores que fazem estudos incríveis, mas que sofrem para publicar seus dados. Um bom exemplo de que, além da questão racial/regional, batemos de frente com a questão do gênero. Em determinado momento, alguém na mesa comenta que “ter um pesquisador branco do Norte Global, colaborando na pesquisa é determinante para que qualquer trabalho seja aceito em revistas de alto impacto”. Esse caso é recorrente para todos e todas ali presentes, e compartilhar os desafios e buscar soluções para essas questões, podem diminuir o problema. Na mesma noite, um grupo de escrita de artigos foi criado e em breve teremos notícias da Revista dos Pesquisadores Negros e Negras nas Ciências Marinhas! 


E todas essas discussões importantes eram intercaladas com sessões de psicoterapia, massagem, aromaterapia, cristais, artes manuais e pinturas, disponíveis gratuitamente para todos os inscritos no Espaço de Autocuidado e Bençãos


Pára tudo gente!!!


Chegar numa conferência e dar de cara com um espaço deste, e com programação livre para você de fato dedicar seu tempo ao autocuidado, eu nunca tinha visto! Genial! E necessário! A Academia é um ambiente conhecido como adoecedor e foi incrível encontrar um espaço voltado para estas questões. 


Espaço de Autocuidado no Retiro de pesquisadores negros nas ciências marinhas. Estados Unidos da América. Nov/Dez 2023.

Não vou nem falar sobre as festas da agenda social porque tenho certeza que vocês podem imaginar a diversão que foi, em noites regadas a muita música e danças que celebram a multietnicidade do povo negro deste planeta! 


Para terminar, só digo uma coisa: se você é pesquisadora negra ou pesquisador negro das ciências marinhas e ainda não se aquilombou conosco na BWEEMS, BIMS ou no nosso GT de Mulheres Negras aqui da Liga, tá perdendo tempo. Mas pode entrar em contato comigo que eu te mostro o caminho!!!


Sobre a autora

Bárbara Pinheiro é bióloga com especialização em gestão de ambientes costeiros tropicais, mestrado e doutorado em oceanografia pela UFPE. Atualmente pesquisadora de pós-doutorado no Programa de Desenvolvimento Científico e Tecnológico Regional no Estado de Alagoas no PPGRHS/ UFAL, atua também no PELD-CCAL. Membra da secretaria executiva e co-coordenadora do GT-Década da Liga, também é secretária no GAM-NE e diretora-executiva do Instituto Yandê.


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