Por Simone Siag Oigman-Pszczol
O oceano tem papel central na vida na Terra, entretanto a maioria dos cidadãos não têm ainda a consciência de sua importância econômica, social, política e ambiental. A Década do Oceano - 2021 a 2030, declarada pelas Nações Unidas em 2017, veio para conscientizar a população em todo o mundo sobre a relevância oceânica e mobilizar atores públicos, privados e da sociedade civil organizada em ações que favoreçam a saúde e a sustentabilidade do planeta.
E falando em nos aproximarmos do oceano, você já percebeu que quando a gente pensa em armazenamento e sequestro de carbono, normalmente a gente pensa nas florestas e na Amazônia? Você sabia que os ecossistemas marinhos também têm esse potencial? O carbono azul é o nome dado ao carbono que é capturado da atmosfera e armazenado nos ecossistemas costeiros e marinhos, principalmente em manguezais, marismas e gramas marinhas. Estes ecossistemas cobrem aproximadamente 36-185 milhões de hectares em todo o mundo (Macreadie et al., 2021) e estão entre os ambientes mais produtivos e ameaçados do planeta. Eles são únicos em sua habilidade de sequestrar e armazenar e, apesar de sua pequena extensão em relação a outros ecossistemas, sequestram e armazenam maiores quantidades de carbono por unidade de área do que os ecossistemas terrestres. Estudos recentes mostram que os manguezais estocam 2,35 vezes mais carbono por área quando comparados às florestas tropicais (Soares et al., 2022).
O papel do carbono azul na mitigação das mudanças climáticas é pequeno em escala global, mas significativo no oceano costeiro tropical, e eficaz em escala local, especialmente quando focamos em áreas com altas taxas de desmatamento e destruição. A partir do momento em que mapeamos, conhecemos e entendemos esses ecossistemas, passamos a optar por ações mais sustentáveis para evitar a perda desses ecossistemas, de forma que absorvam e armazenem CO2 da atmosfera, no lugar de contribuírem com emissões de CO2, acelerando ainda mais as mudanças climáticas globais (Rovai et al., 2022).
A degradação dos nossos ambientes costeiros e marinhos diminui a resiliência humana e coloca os mais vulneráveis ainda em maior risco. De acordo com os cientistas, o oceano está mais quente, mais ácido, poluído, com a biodiversidade em risco e o nível do mar se elevando (Cooley et al., 2022). Portanto, a conservação e restauração de ecossistemas costeiros e marinhos é fundamental para reduzir a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera e mitigar as mudanças climáticas, de forma a limitar o aquecimento global e alcançar as metas do Acordo de Paris, além de resultar em inúmeros benefícios, como exemplo, a proteção da costa, a melhoria da pesca e outros.
O Brasil possui um dos maiores litorais do mundo, contém a segunda maior floresta de manguezais e uma alta diversidade de ecossistemas costeiros e marinhos (Lacerda et al., 2019; Magris et al., 2020). Os manguezais amazônicos representam 27,9% da área total de manguezais do país (Ferreira & Lacerda, 2016), demonstrando a importância global dos manguezais brasileiros como hotspots de carbono (Rovai et al., 2022).
Ainda estamos no início da transição para alcançarmos uma economia de baixo carbono, com uma série de soluções e iniciativas incríveis já existentes sendo desenvolvidas pelas comunidades locais, povos indígenas, cientistas, empresas e governos. Porém, o que ainda nos falta é uma maior comunicação e melhor conexão entre os diferentes atores e setores da sociedade, criando, assim, uma experiência e consciência coletiva, local e mundial.
Sabemos que precisamos sequestrar mais carbono do que emitimos, o que significa proteger e restaurar mais do que degradar. Para alcançarmos as metas da Década de um oceano mais limpo, transparente, saudável, resiliente, previsível, seguro, produtivo e utilizado de forma sustentável é essencial investir em programas de educação, pesquisa, tecnologia, restauração e promoção da economia azul. Além de arranjos de governança, que facilitem diálogos e cooperações que potencializam os esforços coletivos.
É fundamental aprendermos a navegar entre o azul e o verde, perceber o oceano que nos une, respeitar os diversos seres, valorizar as culturas e a ciência, para fazer emergir a cultura oceânica que promoverá a mudança de comportamento que precisamos para uma sociedade verdadeiramente mais justa, inclusiva e sustentável. Afinal, nós influenciamos o oceano e o oceano nos influencia.
Venha junto na Década avançar nesta conexão, na ciência oceânica e na interface ciência-política, para fortalecer a gestão dos nossos oceanos e zonas costeiras, compreendendo mais sobre o carbono azul e a mitigação às mudanças do clima.
Referências
Ferreira, A. C. & Lacerda, L. D. (2016). Degradation and Conservation of Brazilian Mangroves, Status and Perspectives. Ocean Coastal Manag. 125, 38–46. doi: 10.1016/j.ocecoaman.2016.03.011
Cooley, S., D. Schoeman, L. Bopp, P. Boyd, S. Donner, D.Y. Ghebrehiwet, S.-I. Ito, W. Kiessling, P. Martinetto, E. Ojea, M.-F. Racault, B. Rost, & M. Skern-Mauritzen, 2022: Oceans and Coastal Ecosystems and Their Services. In: Climate Change 2022: Impacts, Adaptation and Vulnerability. Contribution of Working Group II to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [H.-O. Pörtner, D.C. Roberts, M. Tignor, E.S. Poloczanska, K. Mintenbeck, A. Alegría, M. Craig, S. Langsdorf, S. Löschke, V. Möller, A. Okem, B. Rama (eds.)]. Cambridge University Press, Cambridge, UK and New York, NY, USA, pp. 379–550, doi:10.1017/9781009325844.005
Lacerda, L. D., Borges, R., & Ferreira, A. C. (2019). Neotropical Mangroves: Conservation and Sustainable Use in a Scenario of Global Climate Change. Aquat. Conserv. Mar. Freshwater Ecosyst. 29, 1347–1364. doi: 10.1002/ aqc.3119
Macreadie, P. I., Costa, M. D. P., Atwood, T. T., Friess, D. A., Kelleway, J. J., Kennedy, H., Lovelock, C. E., Serrano, O., & Duarte, C. M. (2021). Blue carbon as a natural climate solution. Nature Reviews Earth and Environment, 2, 826-839. https://doi.org/10.1038/s43017-021-00224-
Magris, R. A., Costa, M. D. P., Ferreira, C. E. L., Vilar, C. C., Joyeux, J.-C., Creed, J. C, et al. (2020). A Blueprint for Securing Brazil ́s Marine Biodiversity and Supporting the Achievement of Global Conservation Goals. Diversity Distrib 27(2), 198–215. doi: 10.1111/ddi.13183
Rovai AS, Twilley RR, Worthington TA & Riul P (2022) Brazilian Mangroves: Blue Carbon Hotspots of National and Global Relevance to Natural Climate Solutions. Front. For. Glob. Change 4:787533. doi: 10.3389/ffgc.2021.787533
Soares M.O., Bezerra L.E.A., Copertino M., Lopes B.D., Barros K.V.dS, Rocha-Barreira C.A., Maia R.C., Beloto N. & Cotovicz L.C. (2022) Blue Carbon Ecosystems in Brazil: Overview and an Urgent Call for Conservation and Restoration. Front. Mar. Sci. 9:797411. doi: 10.3389/fmars.2022.797411
Sobre a autora:

Simone Siag Oigman-Pszczol é bióloga marinha, atua na área de meio ambiente, trabalhando na direção de organizações, captação de recursos, revisão e elaboração de projetos de pesquisa, articulação com entidades governamentais e não governamentais, participação da criação de UCs e consultorias para ONGs e empresas privadas, dentre diversas outras atribuições. É integrante da Liga das Mulheres pelo Oceano, fundadora e diretora do Instituto Brasileiro de Biodiversidade (BrBio) e do Centro Brasil no Clima (CBC) desde 2020, e mãe da Clara desde 2009.
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