Por Giovanna Destri
Imagine que você mora de aluguel. Sua casa é forte, com estruturas rígidas e que te permite proteção para ter uma rotina de home-office perfeita. Porém, alguma coisa acontece nos arredores que torna esse lar, antes tão acolhedor, extremamente tóxico e você se vê na obrigação de ir embora. Você leva todas as suas coisas, deixando apenas as paredes brancas do apartamento abandonado. Essa analogia serve para tentar ilustrar como o fenômeno do branqueamento dos corais ocorre.
Corais são animais (não são pedra e muito menos plantas) que possuem grupos que têm uma relação de troca com pequenos organismos. Essas micro-células vivem de aluguel no interior dos corais “pagando” pelo seu abrigo em forma de produtos da fotossíntese. Essa associação é vantajosa para ambos, no entanto, quando o coral se encontra em condições estressantes de temperatura elevada (frequentemente observada nos últimos tempos), suas hóspedes coloridas são expulsas, deixando o esqueleto calcário do coral exposto. Isso não significa que aquela colônia está morta, mas se encontra em condições bem desafiadoras para sobrevivência.
A atenção ao branqueamento dos recifes do Caribe e principalmente na Grande Barreira de Corais da Austrália é datada dos anos 80, quando fortes ondas de calor afetaram as comunidades coralíneas, e esforços para monitorar a saúde desses ecossistemas foram montados. No final dos anos 90, o primeiro evento global de branqueamento em massa foi observado, grandes porções de recifes de coral ao redor do planeta foram afetados, inclusive os do Brasil, mas estes em menores proporções, comparados ao Caribe e Pacífico. Em 2010, outro evento global de branqueamento, mais severo que o anterior, foi documentado e suas consequências foram principalmente a perda na cobertura de corais de quase 15% no mundo todo e o aumento de algas, indicando uma mudança na paisagem recifal de alguns locais, onde antes predominavam os corais. Para os ambientes recifais aqui na porção sul do Oceano Atlântico o bicho pegou mais ainda no final dos anos 2010. O Brasil possui a maior cobertura de corais da região, então vou usar o nosso país para me referir ao Atlântico Sul como um todo daqui para frente, ok?
Em 2019, ano que teoricamente o terceiro evento global de branqueamento estava se encerrando, a costa brasileira passou por um dos seus mais severos branqueamentos já observados. 2019 e 2020 foram devastadores para recifes rasos, principalmente em regiões onde a água é clara e quente. No documentário O Pesadelo Branco, disponível no Youtube, é possível vermos imagens impactantes de recifes do Rio Grande do Norte em meio a pandemia. Este evento isolado na costa brasileira foi sem precedentes em intensidade e duração, tendo registro de altíssimas temperaturas por mais de 6 meses ininterruptos. No entanto, chegou 2023/24 e menos de 5 anos após este evento local, os corais brasileiros estão enfrentando mais uma vez um forte evento de estresse térmico, este considerado pela NASA como o mais forte de todos os tempos.
O branqueamento de fato não é uma sentença de morte aos corais, já foram documentadas colônias capazes de se reproduzir mesmo totalmente branqueadas, mas o que estamos testando aqui? O quanto é necessário para conseguir destruir um ecossistema inteiro? O fenômeno de branqueamento é uma consequência das emissões de combustíveis fósseis na atmosfera, assim como inúmeros (se não todos) os desastres ambientais que temos observado nos últimos tempos. Portanto, refletir e questionar hábitos de consumo e reconhecer a importância de eleger representantes que se importem com pautas ambientais pode ser o início dessa caminhada na direção de assegurar que os corais, os manguezais, as florestas e nós mesmos tenhamos um futuro.
Leituras adicionais:
Giovanna é bióloga pela Universidade Federal de Santa Catarina e Mestra em Oceanografia pela mesma instituição. Vive o melhor dos mundos seco e sub, conciliando a carreira acadêmica com a de instrutora de mergulho. Atualmente se dedica ao Doutorado no Instituto Oceanográfico da USP e estuda os efeitos das mudanças climáticas em ambientes coralinos do Atlântico Sul. É coordenadora assistente do maior programa de monitoramento de branqueamento de corais do Brasil realizado pela Rede de pesquisa do projeto Coral Vivo.
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