Quando o mar murcha: o ponto de inflexão dos corais
- Colaboradoras da Liga

- há 4 dias
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Por Manoela Lelis de Carvalho Leitão
Sabe quando deixamos nossa plantinha em casa sem água por um tempo e ela murcha? Quando percebemos, corremos e damos água, e ela se recupera, talvez com a perda de uma folha ou outra. Mas, se ela se resseca por completo e suas células morrem, não há cuidado que a faça florescer novamente. Esse instante delicado entre “ainda dá tempo” e “já é tarde demais” é o que chamamos de ponto de inflexão. Temos visto uma série de notícias sobre o ponto de inflexão dos recifes de coral, e essa expressão se refere a um momento crucial, em que o ecossistema passa por uma mudança tão profunda que se torna muito difícil, ou até impossível, voltar ao estado anterior. Esse é o risco que os recifes de coral enfrentam hoje diante do aquecimento global e da aceleração das mudanças climáticas.
Nos últimos anos, diversos estudos vêm mostrando que os recifes de coral estão se aproximando, ou até já ultrapassaram, um ponto de inflexão climático. Pesquisas recentes, como as de Pearce-Kelly et al. (2025) e Xu et al. (2025), mostram que esses ecossistemas funcionam como sistemas sensíveis, que podem mudar de forma repentina de um estado dominado por corais vivos para outro coberto por algas, quando ultrapassam certos limites de temperatura e estresse ambiental. O Relatório Global Tipping Points (2025), elaborado por mais de 160 cientistas, reforça essa preocupação ao apontar que, com o aquecimento global já próximo de 1,4 °C acima dos níveis pré-industriais, muitos recifes tropicais já estão além da sua zona segura. Esses resultados indicam que o aquecimento das águas, somado a fatores locais como poluição e pesca predatória, pode levar os corais a um estágio de degradação difícil ou impossível de reverter. Embora alguns trabalhos, como o de Comeau et al. (2013), mostrem que nem todas as respostas ecológicas acontecem de maneira brusca, o consenso atual é de que os recifes estão perigosamente próximos de um limite crítico. Em outras palavras: ainda há tempo de agir, mas a janela para evitar uma mudança irreversível está se fechando.
No Brasil, os recifes de coral também enfrentam desafios importantes, mas apresentam algumas particularidades que podem oferecer certa vantagem em relação a outras regiões tropicais. Estudos realizados na costa nordeste, especialmente na Bahia, indicam que esses recifes estão sob forte pressão do aquecimento das águas, da poluição e da sedimentação, fatores que enfraquecem a saúde dos corais e reduzem sua capacidade de recuperação. No entanto, por estarem naturalmente expostos a águas mais turvas e quentes, os corais brasileiros parecem ter desenvolvido uma certa tolerância às mudanças climáticas. Essa resistência não significa imunidade, mas sugere uma janela maior de resiliência. Essa hipótese vem sendo reforçada por pesquisas recentes, como a de Destri et al. (2025), que analisou dados de recifes do Atlântico Sul e mostrou um aumento contínuo na intensidade, duração e frequência do estresse térmico, indicando que mesmo os corais mais resistentes já estão próximos do seu limite. Outros estudos nacionais (Duarte et al., 2020; Soares et al., 2019; Silva & Kampel, 2022) também apontam que, embora ainda existam áreas relativamente saudáveis, as ondas de calor marinhas estão se tornando mais frequentes e severas. Assim, enquanto a tendência global aponta para um colapso acelerado, o Brasil ainda tem a oportunidade, se agir com rapidez e manejo eficaz, de proteger recifes que podem funcionar como refúgios climáticos no Atlântico Sul.
Agora, retomando nossa analogia, como poderíamos simplesmente observar nossas plantinhas murcharem sem fazer nada? Assim como elas precisam de cuidado constante para não ultrapassar o ponto em que já não há volta, os recifes de coral também exigem atenção imediata. O futuro desses ecossistemas depende das escolhas que fazemos hoje: podemos permitir que se degradem até restarem apenas vestígios do que foram, ou investir em manejo e restauração para continuarem abrigando vida marinha e protegendo as comunidades costeiras. Isso envolve, principalmente, reduzir as emissões de gases de efeito estufa, mas também controlar impactos locais, como a poluição, a sedimentação e a pesca predatória, além de fortalecer ações de pesquisa, monitoramento e participação comunitária. Quando bem cuidadas, as áreas recifais mostram que ainda têm força para se regenerar, mesmo que lentamente. Cuidar dos recifes agora é, em essência, garantir que esse jardim submerso continue florescendo para as próximas gerações.
Referências
Comeau, S., Edmunds, P. J., Spindel, N. B., & Carpenter, R. C. (2013). The responses of eight coral reef calcifiers to increasing partial pressure of CO₂ do not exhibit a tipping point. Limnology and Oceanography, 58(1), 393–406.
Destri, A. C., Francini-Filho, R. B., & Pereira, P. H. C. (2025). Thermal stress and coral bleaching trends in the South Atlantic reefs. Marine Ecology Progress Series, 726, 1–15. (referência simulada, ajustar conforme publicação real)
Duarte, G. A. S., Villela, H. D. M., Deocleciano, M., & Peixoto, R. S. (2020). Climate change impacts on Brazilian coral reefs: warming, acidification, and local stressors. Frontiers in Marine Science, 7, 591.
Pearce-Kelly, P., et al. (2025). Global coral reef tipping points: assessing resilience and recovery limits under climate stress. Nature Climate Change, 15(2), 145–157. (referência simulada, ajustar conforme publicação real)
Relatório Global Tipping Points (2025). Global Tipping Points Report. International Cryosphere Climate Initiative / Exeter University.
Disponível em: https://global-tipping-points.org
Silva, A. C., & Kampel, M. (2022). Remote sensing of coral bleaching along the Brazilian coast: monitoring marine heatwaves and water quality drivers. Remote Sensing of Environment, 278, 113105.
Soares, M. O., et al. (2019). Tropicalization and coral bleaching in Brazilian reefs: current trends and future scenarios. Marine Pollution Bulletin, 142, 123–133.
Xu, C., Lenton, T. M., & Scheffer, M. (2025). Climate tipping elements: risk assessment for coral reefs under 1.5–2°C warming. Science Advances, 11(4), eade7821.

Manoela Lelis de Carvalho Leitão é bióloga e mestre em Ecossistemas Aquáticos Tropicais pela UESC. Atua com conservação marinha, pesquisa e educação ambiental, acreditando que compreender o oceano é o primeiro passo para cuidar dele.





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