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Conferência livre sobre Segurança Alimentar e Mudanças Climáticas

Por:

Gabriella Rocha Pegorin

Nutricionista CRN-3 58758

Mestre em Ciências


Na sexta-feira, 20 de outubro de 2023, aconteceu a Conferência livre sobre Segurança Alimentar e Mudanças climáticas organizada pelo Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional da Universidade de Brasília (Opsan/UnB), Instituto Clima e Sociedade (iCS), Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e Ministério do desenvolvimento e assistência social, família e combate à fome (MDS).

A Conferência teve como objetivos, de acordo com seu texto base:

Objetivo geral: democratizar a discussão de como as mudanças climáticas precisam estar integradas à agenda da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) e do Direito Humano à Alimentação Adequada.

Objetivos específicos:

(1) Discutir possibilidades de interação entre a Política Nacional de SAN e a Política Nacional sobre a Mudança de Clima;

(2) Discutir possíveis avanços nas negociações internacionais para que o governo brasileiro se comprometa em considerar a política de SAN em seus compromissos;

(3) Discutir medidas necessárias para o fomento de pesquisas e do aumento da visibilidade da agenda para os tomadores de decisão e para a sociedade.”


A abertura da conferência contou com a presença de Lilian dos Santos Rahal, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, atualmente exercendo o cargo de Secretária Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério do Desenvolvimento Social, além da Dra. Claudia Roberta Bocca, professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) cedida para atuar no Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS); Aloísio Melo, Diretor de Política Climática da Secretaria Nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente e Clima e de André Biazzoti, Integrante da Articulação Paulista de Agroecologia e do Movimento Urbano de Agroecologia (MUDA SP), conselheiro do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Solidário e Sustentável de São Paulo (CDRSS), integrante da Secretaria Executiva da plataforma Agroecologia em Rede (AeR), vinculada à Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e à Associação Brasileira de Agroecologia (ABA).

A conferência foi dividida em duas partes, uma parte expositiva com palestras de professores e pesquisadores sobre temas que envolvem o enfrentamento da Insegurança Alimentar e Nutricional (INSAN) frente às mudanças climáticas e uma segunda parte onde participantes foram divididos em grupos para pensar em medidas para mitigar os efeitos da INSAN no cenário atual de enfrentamento, considerando que as nossas ações individuais já não são capazes de modificar esse cenário, mas sim de reduzir a ocorrência de maiores danos.


O Contexto

Crise climática e insegurança alimentar e nutricional são fenômenos tangíveis no Brasil e no mundo, afetam as pessoas em níveis diferentes e assolam principalmente a população vulnerável submetida às mazelas econômicas e sociais, sem deixar de mencionar as intersecções de gênero e raça.

A intersecção de gênero e raça é uma discussão fundamental, pois coloca em pauta o fenômeno de racismo ambiental, que precisa ser enfrentado com urgência. Afinal, mulheres negras marginalizadas às periferias, indígenas e quilombolas estão mais vulneráveis aos fenômenos meteorológicos extremos como as enchentes, deslizamentos provenientes de chuvas intensas e secas. Essas mulheres frequentemente perdem sua terra e suas casas, o que afeta diretamente sua segurança alimentar.


O que é insegurança alimentar?

A insegurança alimentar e nutricional (INSAN) representa a falta de acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente para uma vida saudável.

A alimentação e nutrição são requisitos básicos para a promoção e a proteção da saúde, garantido o pleno desenvolvimento e a qualidade de vida das pessoas inseridas em uma sociedade.

A Segurança Alimentar e Nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular, permanente e irrestrito a alimentos de qualidade, quer diretamente ou por meio de aquisições financeiras, a alimentos seguros em quantidade e qualidade adequadas e suficientes, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, correspondentes às tradições culturais do seu povo e que garantam uma vida livre do medo, digna e plena nas dimensões física e mental, individual e coletiva.

A Insegurança Alimentar e Nutricional ocorre quando a SAN não é garantida integralmente. Uma pessoa pode vivenciar diferentes níveis de SAN:

  • Segurança alimentar: os moradores do domicílio têm acesso regular e permanente a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente;

  • Insegurança alimentar leve: Apresentam comprometimento da qualidade da alimentação em detrimento da manutenção da quantidade percebida como adequada;

  • Insegurança alimentar moderada: apresentam modificações nos padrões usuais da alimentação entre os adultos concomitante à restrição na quantidade de alimentos entre os adultos;

  • Insegurança alimentar grave: são caracterizados pela quebra do padrão usual da alimentação com comprometimento da qualidade e redução da quantidade de alimentos de todos os membros da família, inclusive das crianças residentes neste domicílio, podendo ainda incluir a experiência de fome.


Segurança alimentar e crise climática:

Como a crise climática afeta a segurança alimentar e vice-versa?

É previsto que as mudanças climáticas induzam a alterações bacterianas, virais e patogênicas, contaminação de água e alimentos, alterando as características de sobrevivência e padrões de transmissão de doenças através de mudanças na temperatura e umidade.

O aumento de temperatura e umidade também interfere na ocorrência e padrão de sobrevivência de micotoxinas, substâncias produzidas por alguns fungos e que podem causar efeitos tóxicos agudos e doenças crônicas não transmissíveis (incluindo câncer) em humanos e animais.

As alterações climáticas também atuam como um “catalisador para a expansão global” da proliferação de algas nos oceanos e lagos, que passam a ter crescimento acelerado ao interagir com a carga de nutrientes proveniente do escoamento de fertilizantes das produções agrícolas para os corpos de água, até chegar no mar.

Este alto risco de zoonoses emergentes, alterações na sobrevivência de patógenos e alterações de doenças transmitidas por vetores e parasitas em animais, pode exigir o aumento do uso de medicamentos veterinários, possivelmente como resultado do aumento dos níveis de resíduos de medicamentos veterinários em alimentos de origem animal. Isto não só representa riscos agudos e crônicos para a saúde humana, mas está diretamente ligado a um aumento da resistência antimicrobiana (RAM) em agentes patogênicos humanos e animais.

Frente às mudanças climáticas, o uso de agrotóxicos passa a ser uma preocupação maior ainda, uma vez que as mudanças climáticas provocam alterações no solo e no ciclo de vida dos alimentos de origem vegetal. Com um aumento do uso de agrotóxicos, há, consequentemente, um aumento da exposição humana aos efeitos deletérios à saúde associados a essas substâncias.

O aumento da frequência de inundações ligadas às mudanças climáticas terá também impacto na contaminação ambiental e perigos químicos na produção de alimentos através da remobilização de sedimentos fluviais contaminados e subsequente contaminação de áreas agrícolas e contaminantes do solo de pastagens.

As mudanças climáticas aumentam a frequência e a gravidade dos fenômenos climáticos extremos que afetam a segurança alimentar. Onde o abastecimento alimentar é inseguro, as pessoas tendem a mudar seu padrão de dieta consumindo alimentos não saudáveis, sobretudo ultraprocessados. Além disso, aumentam o risco de consumir mais “alimentos inseguros” – nos quais os perigos químicos e microbiológicos representam riscos para a saúde e que contribuem para o aumento da desnutrição.

Os sistemas alimentares, no mundo, respondem por aproximadamente 31% das emissões de gases de efeito estufa causadas pela atividade humana. Essas emissões são resultados da utilização de recursos naturais como a terra, bem como espaços de armazenamento. O transporte, a embalagem e o processamento de commodities, alimentos para o abastecimento nacional e o desperdício de alimentos produzidos também são etapas que contribuem com a emissão de gases.

E os danos não se limitam à emissão de gases, considerando que a monocultura dispõe do uso de agrotóxicos e do desmatamento de terras que também contribuem para a degradação do solo e causam prejuízos à biodiversidade.

Não somente os sistemas alimentares afetam negativamente a crise climática, mas também podem ser afetados por ela. Afinal, a elevação de temperatura e da concentração de CO2, mudança no padrão de chuvas, aumento da severidade de secas e inundações, aumento da frequência de fenômenos meteorológicos intensos afetam a produção de alimentos.


Sugestões de enfrentamento dos efeitos da INSAN e crise climática

Após a apresentação e votação das propostas debatidas entre os grupos, o resultado foi apresentado em plenária. As três propostas mais votadas foram:

  1. Inserir a avaliação de impacto climático como critério condicionante no processo de análise e concessão de créditos oriundos de financiamentos de recursos públicos (Planos Safra, créditos agrícolas) para a produção de commodities agrícolas e de proteínas animais.

  2. Criação de um fundo do SISAN para fomentar a realização de pesquisas territoriais para complementar evidências já existentes com o fim de criar subsídios para tomadores de decisão e sociedade na construção de propostas eficazes de SAN para cada território, em temas como: arranjos e cadeias alimentares locais, com indicações de viabilidade socioeconômica e climática, mapeamento de hortas comunitárias urbanas e periurbanas, racismo ambiental e apartheid alimentar; Inclusão e criação de programas de SAN e sistemas alimentares na NDC brasileira, bem como fomento a cooperação sul-sul na criação de soluções e inovações tecnológicas lideradas por países do Sul Global, envolvendo pesquisadores e sociedade civil da área de sistemas alimentares e segurança alimentar, como pesquisas em torno de ingredientes nacionais e dos biomas brasileiros para a cadeia de produção de proteínas alternativas (inserindo produtores locais em uma cadeia de alto valor agregado, e direcionando grãos para consumo humano ao invés de produção de ração de animais); Mapeamento das experiências positivas que estão na ponta e a construção de ações em rede para troca de saberes, promoção de SAN e sustentabilidade; Fortalecimento do SISAN, das CAISAN e da participação popular; Ter como prioridade a equidade no acesso à terra, água, financiamento e tecnologia para pequenos produtores em sistemas agroecológicos. Ter estratégias em rede entre as políticas públicas de alimentação e nutrição, de assistência social, de meio ambiente, de desenvolvimento agrário e outras que tenham algum ponto de contato com o tema SAN e mudanças climáticas.

  3. Fortalecer espaços de participação social e articular e incorporar os saberes de povos e comunidades tradicionais para o desenvolvimento de ações de mitigação das mudanças climáticas considerando a educação climática como ferramenta desde o ambiente escolar e se estendendo para outros âmbitos que envolvam a sociedade civil, empresas e outros espaços e atores sociais.

As principais propostas discutidas devem ser levadas e debatidas na próxima Conferência Nacional Segurança Alimentar e Nutricional. A reunião será em Brasília, no período de 11 a 14 de dezembro de 2023. A meta da conferência é de mobilizar toda a diversidade social e redes do setor para debater diferentes práticas, avaliar e propor políticas públicas e programas para a construção do 3º Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.

A Global Alliance for the Future of Food selecionou 14 países para participar de uma avaliação da implementação das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, em inglês) baseadas em 7 princípios e 7 chamadas para a ação, em um documento intitulado “UNTAPPED OPPORTUNITIES FOR CLIMATE ACTION”, publicado em 2022, que apresenta os resultados, os desafios e as oportunidades de implementação das NDCs baseadas nessas avaliações.


7 chamadas de ação da Global Alliance for the Future of Food:

  1. Garantir abordagens de governança participativas, integradas e baseadas em direitos a todos os níveis, a fim de abordar as desigualdades estruturais nos sistemas alimentares. Construir processos e plataformas políticas baseadas em princípios de transparência, participação inclusiva e poder partilhado. Isso garantirá que as políticas sejam orientadas não apenas pelas evidências, mas também pela ética e pelo interesse público.

  2. Aumentar o investimento em pesquisa de abordagens baseadas em ecossistemas, com ênfase em objetivos ecológicos, de saúde, sociais e econômicos indivisíveis. Reconhecer e aprender com diversos sistemas e formas de conhecimento, incluindo povos indígenas e agricultores que há muito reconheceram a interligação entre nossos sistemas alimentares, saúde e o planeta. Esta compreensão holística, transdisciplinar e inclusiva da percepção do impacto dos sistemas alimentares é essencial para o bem público.

  3. Reconhecer os impactos ambientais, sociais e de saúde das políticas e práticas dos sistemas alimentares e utilizar esta compreensão para informar a tomada de decisões. Integrar e fortalecer a True Cost Accounting e outras ferramentas e metodologias de avaliação de impacto para mitigar riscos e aumentar a responsabilização. Essas abordagens fornecerão orientação transparente e consistente para governos, investidores, agricultores, empresas e outras partes interessadas.

  4. Direcionar o financiamento do setor público e a política fiscal para formas de agricultura regenerativas e ecologicamente benéficas, alimentação saudável e meios de subsistência com base em comunidades resilientes. Romper com programas prejudiciais de subsídios e incentivos, iniciando reformas bem concebidas e duradouras, por meio de colaborações entre governos, agricultores, bancos e empresas, investigadores e outras partes interessadas.

  5. Desbloquear oportunidades de investimento em sistemas alimentares sustentáveis ​​e alinhar financiadores privados, filantrópicos e multilaterais com atores nacionais para maior impacto. Redirecionar fluxos financeiros de filantropia, investidores, bancos e agências financiadoras para iniciativas que pretendem incentivar, acelerar e amplificar as transformações dos sistemas alimentares.

  6. Criar ambientes propícios para o florescimento da agroecologia e das abordagens regenerativas. Garantir uma abordagem sistêmica centrada em um papel forte para as instituições, comunidades, pequenos agricultores, povos indígenas e mulheres; a proteção e ampliação de direitos; coerência política e governança coordenada; mobilização de pesquisas; além de investimento e financiamento para infraestruturas (tais como estradas, escolas, mercados).

  7. Promover dietas nutritivas e integrais, sustentadas pela produção alimentar sustentável e diversificada, adaptada aos ecossistemas locais e aos contextos socioculturais. Criar ambientes alimentares positivos que proporcionem acesso equitativo, orientações e controles sobre alimentos ultraprocessados. Estas abordagens irão apoiar mudanças na dieta, buscando alimentos integrais e proteínas vegetais, animais e aquáticas sustentáveis ​​e minimamente processadas, especialmente onde o consumo de carne e gordura saturada é elevado ou está crescendo em níveis que oferecem risco à saúde humana e/ou do planeta.

7 princípios da Global Alliance for the Future of Food:

  1. Renovável - Abordar a integridade dos recursos naturais e sociais que são a base de um planeta saudável e das gerações futuras face às mudanças nas exigências globais e locais.

  2. Resiliente - Apoiar sistemas regenerativos, duráveis ​​e economicamente adaptáveis ​​face a um planeta em mudança.

  3. Equitativo - Promover meios de subsistência sustentáveis ​​e acesso a sistemas alimentares nutritivos e justos para todos.

  4. Diverso - Valorizar o nosso rico e diversificado patrimônio agrícola, ecológico e cultural.

  5. Saudável - Melhorar a saúde e o bem-estar das pessoas, dos animais, do ambiente e das sociedades que dependem de todos os três.

  6. Inclusivo - Garantir um envolvimento significativo e autêntico de diversas pessoas e organizações em deliberações transparentes, poder compartilhado, decisões democráticas e ações coletivas que afetam os sistemas alimentares para o bem público.

  7. Interconectado - Entender as implicações da interdependência dos alimentos, das pessoas e do planeta numa transição para sistemas alimentares mais sustentáveis.


Próximos passos

No período que compreende a Conferência Livre de SAN e Clima até a COP–30, abre-se uma grande janela de oportunidades para a articulação entre as políticas públicas de SAN e de Meio Ambiente e Clima. O cenário político é promissor para a elaboração de recomendações e propostas para o novo Plano de SAN alinhadas à crise climática. A VI Conferência de SAN e o III Plano de SAN precisam demarcar uma nova fase das políticas de SAN integrando alimentação e clima.

Em nível global, as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NCDs) registram compromissos e contribuições dos países para o futuro climático serão retificadas até a COP-30, em 2025, que será realizada no Brasil. O processo de retificação das NCDs deve ser enxergado tanto como uma oportunidade de alavancar a integração e articulação das agendas, em âmbito nacional, bem como internacionalmente nos compromissos políticos.

As NCDs devem ser pensadas de acordo com os sete princípios e sete chamadas para a ação, além disso, devem considerar a particularidade de cada país.


Mensagem final

O planeta está mudando, esquentando e tornando-se hostil para a vida humana, bem como para a fauna e flora que conhecemos hoje. Reforma agrária, o investimento em agroecologia respeitando a nossa biodiversidade e agenda climática e o rompimento com sistemas agrícolas nocivos ao planeta como a monocultura são temas urgentes.

Devemos saber mais sobre as sugestões de políticas públicas de enfrentamento à insegurança alimentar e nutricional frente às mudanças climáticas na próxima Conferência do dia 11 a 14 de dezembro de 2023.


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