Por Mariana Campagnoli
No dia 27 de maio comemoramos o Dia Nacional da Mata Atlântica e vale lembrar que ecossistemas costeiros, como os manguezais e restingas, são ecossistemas que fazem parte desse bioma! Essa data foi criada para relembrar a todos a relevância da preservação da Mata Atlântica para a saúde planetária (e, por que não, do oceano). Apesar deste esforço, a Mata Atlântica foi e segue sendo devastada, a ponto de restarem pouquíssimos fragmentos dessa floresta espalhados pelo território brasileiro. Todos alguma vez já escutamos falar que a Mata Atlântica é o bioma mais ameaçado do Brasil, mas o que sabemos sobre os processos históricos que levaram a isso, por exemplo? Ou então quais são as leis que protegem as nossas florestas (ou não)? Em comemoração ao dia da Mata Atlântica, vamos explicar um pouco mais sobre esse bioma que, direta ou indiretamente, é chave para a manutenção do bem-estar humano!
Vamos voltar no tempo, para antes da chegada dos europeus ao Brasil. Nessa época, a Mata Atlântica já passava por intervenções humanas por meio de queimadas realizadas pelos indígenas para o cultivo de plantas que faziam parte de sua alimentação. Apesar de não sabermos muito bem o que teria acontecido se os europeus não tivessem chegado (e praticamente dizimado os povos originários), o provável é que essas atividades não tinham impacto significativo sobre a floresta.
O que realmente acelerou e intensificou seu ritmo de destruição foi a chegada dos europeus, que empreenderam sucessivas atividades econômicas que dependiam da exploração e degradação de áreas de floresta. A princípio, as atividades consistiam na extração de produtos florestais: o pau-brasil, árvore que deu nome ao nosso país, foi a primeira a ser explorada para construir móveis e tingir tecidos. Seguiu-se então a supressão da vegetação nativa para o cultivo e exportação de monoculturas que garantiam o sucesso econômico do Brasil como colônia: a cana-de-açúcar e o café sendo os maiores exemplos. O garimpo foi outra atividade que acabou por devastar grandes áreas de mata, além de contaminar cursos d’água. Ainda, no período da ditadura militar, a Mata Atlântica seguiu sendo devastada, dessa vez para acomodar a política desenvolvimentista da época, que incentivava a construção de complexos industriais, hidrelétricas, pontes, rodovias, usinas nucleares, entre outros “avanços”. E assim, ano após ano, a Mata Atlântica foi e vem sendo reduzida aos fragmentos e remanescentes que conhecemos hoje.
Em resposta à degradação das florestas, na década de 80 nascia a SOS Mata Atlântica, ONG destinada a defender os últimos remanescentes de mata. Dentre diversas outras ações que você pode checar aqui, a SOS Mata Atlântica participou ativamente na mobilização da sociedade e do poder público para a criação e aprovação da Lei da Mata Atlântica (11.428/2006), a única lei federal voltada a um bioma específico! Não vou aborrecer vocês com muitos detalhes sobre o histórico de criação dessa lei, mas posso dizer que foram mais de 14 anos de tramitação no Congresso Nacional até que ela fosse aprovada em 2006, durante o governo Lula. Basicamente, a Lei da Mata Atlântica regulamenta a exploração consciente e sustentável dos recursos da floresta, garantindo que esse ecossistema não saia prejudicado pela ação humana. A lei da Mata Atlântica é aplicada por cada município através do Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica (PMMA). Assim, nos municípios onde há áreas de Mata Atlântica, a prefeitura precisa apontar, através do PMMA, quais ações são prioritárias para a conservação e recuperação da vegetação nativa e da biodiversidade em seu território.
Apesar de ser a mais devastada e a única a ter uma lei específica, hoje em dia a Mata Atlântica ainda sofre pressão de desmatamento por parte da especulação imobiliária, crescimento demográfico e urbanização. Durante o governo Bolsonaro, por exemplo, tivemos um aumento de 66% no desmatamento em um só ano: foram 21.642 hectares desmatados, o correspondente a mais de 20 mil campos de futebol! E não foi só a Mata Atlântica que sofreu, outros biomas brasileiros também tiveram taxas recordes de desmatamento, que não se viam em anos. Em 2022, o Cerrado teve um aumento de 25% em áreas desmatadas, enquanto a Amazônia teve 10.267 km² da sua área destruída, tudo fruto dos incentivos e tolerância do governo aos desmatadores, grileiros e garimpeiros ilegais.
Mesmo com a mudança de governo (ufa!), um resquício do desmonte das políticas ambientais da gestão Bolsonaro está sendo tramitado no Congresso Nacional, e foi aprovado pela Câmara dos deputados recentemente. É a Medida provisória 1150/2022, que: 1) aumenta novamente o prazo dos proprietários de terra para realizarem a restauração e preservação de áreas de vegetação nativa dentro de suas propriedades, como regulamentado pelo Código Florestal; e 2) prevê alterações e flexibilizações na lei da Mata Atlântica, o que, na prática, acaba por desvalidá-la. Em linhas gerais, as mudanças na lei, propostas na MP, são:
a) permite que sejam desmatadas áreas de floresta, independentemente de haver lugares alternativos para a construção dos empreendimentos;
b) acaba com a exigência de parecer técnico do órgão ambiental estadual para desmatamento de vegetação em áreas urbanas, deixando a decisão apenas ao órgão ambiental municipal;
c) acaba com a exigência de estudo prévio de impacto ambiental, coleta de animais silvestres e compensação ambiental pós-supressão de vegetação fora de áreas de preservação permanente (APPs), no caso de construções de empreendimentos lineares, como linhas de transmissão, sistema de abastecimento público de água e, possivelmente, até condomínios e resorts. Caso haja construção de empreendimentos lineares em APPs, as medidas compensatórias foram limitadas à área equivalente à que foi desmatada.
É um fato: essa Medida Provisória é um enorme retrocesso, e vai contra todos os compromissos de desmatamento zero assumidos pelo Brasil durante as COPs do Clima e da Biodiversidade. Além disso, serve somente aos interesses de poucos. Mas agora vem a boa notícia! O trecho da MP que afrouxava as regras de proteção à Mata Atlântica foi barrado pelo Senado! Sim, podemos respirar um pouco mais tranquilas! Isso significa que as alterações e flexibilizações na Lei da Mata Atlântica não foram aprovadas. No entanto, a parte da MP que dita o aumento do prazo para os proprietários de terra realizarem restauração e preservação de áreas de vegetação nativa em suas propriedades, não foi vetada. Isso pode ser um problema, uma vez que posterga mais e mais a restauração de áreas de floresta, que já deveriam estar protegidas! Além disso, o projeto de lei volta à Câmara para nova votação, e os deputados podem derrubar as alterações realizadas pelo Senado! Nós, na nossa luta pela conservação do oceano, temos um papel fundamental em termos de pressão social para que isso não aconteça! A segunda votação pela Câmara deve ocorrer até o dia 1º de junho, então vamos ficar de olho! A Mata Atlântica reúne um imenso patrimônio natural, genético e cultural, e garante serviços ecossistêmicos essenciais à população humana: auxilia na regulação do clima, na manutenção de chuvas e abastecimento de mananciais, assegura a fertilidade do solo, previne a erosão em escarpas, encostas e praias, é um grande berçário da vida marinha, e possui grande relevância para a regulação do clima. É nosso dever protegê-la!
Para continuar mobilizada nessa causa:
Acompanhe a situação da MP, e vote NÃO, na consulta popular no site do Congresso Nacional;
Siga a página do Instagram da SOS Mata Atlântica para se inteirar sobre futuras mobilizações.
Referências
DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. 1. ed. São Paulo: Cia. das Letras, 2004. 484 p.
https://www.sosma.org.br/politicas/planos-municipais-de-mata-atlantica/
https://cms.sosma.org.br/noticias/desmatamento-na-mata-atlantica-cresce-66-em-um-ano/
https://lookerstudio.google.com/u/0/reporting/c4736415-edbd-4083-a000-575b11d16755/page/p_zhx7hxza2c
Sobre a autora
Mariana Campagnoli é bióloga, mestre e doutoranda em Ecologia e Recursos Naturais, e colaboradora de conteúdo para a da Liga das Mulheres pelo Oceano.
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