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Enviada Especial dos Oceanos para a COP30

  • Foto do escritor: Colaboradoras da Liga
    Colaboradoras da Liga
  • 11h
  • 5 min de leitura

Por Marinez Scherer 


Ao assumir a função de Enviada Especial dos Oceanos para a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), passei a integrar uma iniciativa inédita criada pela Presidência brasileira. Os Enviados Especiais têm a missão de ampliar o engajamento e promover a escuta ativa de atores e setores estratégicos para o sucesso da COP30. Atuando de forma voluntária, assumimos o papel de interlocutores entre a sociedade civil e a Presidência, facilitando o fluxo de informações, percepções e necessidades dos territórios e segmentos que representamos — garantindo interações mais rápidas, eficazes e conectadas às realidades locais.


Também atuamos como canais diretos para apresentar demandas, preocupações e propostas à Presidência, funcionando como pontos de contato estratégicos entre comunidades, atores-chave e a liderança da COP30. Dessa forma, contribuímos para que decisões e encaminhamentos refletissem, de maneira mais fiel, a diversidade de vozes e experiências envolvidas no processo.


Fui escolhida para essa função pelo meu envolvimento de longa data com o planejamento e a gestão do oceano e dos ecossistemas costeiros, incluindo minha atuação em processos internacionais, projetos participativos e políticas públicas relacionadas ao tema. Lembro perfeitamente do momento em que recebi o convite: senti-me profundamente honrada e, ao mesmo tempo, plenamente consciente da dimensão do desafio. Minha reação foi de surpresa emocionada e senso imediato de responsabilidade, seguida de uma reflexão profunda sobre o papel que eu poderia desempenhar nesse processo.


O que mais me motivou a aceitar essa tarefa foi a oportunidade de contribuir para que o oceano fosse finalmente integrado de forma central, estruturante e ambiciosa nas discussões climáticas globais, especialmente diante da urgência de fortalecer a agenda oceânica como um pilar essencial para enfrentar a crise climática.


Ao longo do processo, enfrentei alguns desafios. Um dos principais foi conciliar a tarefa de Enviada Especial com todas as outras profissionais e familiares, além da necessidade de buscar recursos financeiros e humanos. Outros desafios importantes foram: entender a agenda Oceano-Clima e suas particularidades, incluindo todo o processo da UNFCCC, ao qual eu não era próxima, além de compreender e me engajar com os diversos grupos internacionais e nacionais que vêm trabalhando nessa agenda há anos. Ao mesmo tempo, contei com fatores que facilitaram imensamente esse trabalho. Sou profundamente grata às inúmeras pessoas e organizações que, desde o início, se colocaram ao meu lado. Ouvi repetidas vezes a frase: “me diga o que você precisa, vamos te apoiar” — e isso tornou a tarefa não apenas possível, mas muito mais leve e prazerosa.


Tive o privilégio de contar com um grupo de apoio basicamente composto de mulheres e com as trocas constantes com a equipe do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, assim como com o Grupo de Engajamento que criamos para aprimorar o fluxo e a troca de informações, além de colegas de universidades, organizações não governamentais nacionais e internacionais, equipes de apoio locais e internacionais. Também tive importantes contribuições financeiras vindas de ONGs brasileiras e estrangeiras, o que foi decisivo para que pudéssemos cumprir nosso papel e estarmos presentes na COP30, em Belém. Não posso deixar de mencionar o incrível apoio dado pela minha família que se viu privada de minha convivência por muitos meses, mas acreditou e apoiou essa missão. 

Foi, de fato, um grande mutirão — generoso, colaborativo e inspirador.


Apesar dos desafios, alcançamos avanços profundos. Um dos marcos mais significativos para mim foi ter levado a voz do oceano à abertura da Cúpula de Líderes Mundiais, mostrando diretamente a chefes de Estado e lideranças globais que não há solução climática possível sem o oceano. Foi um momento simbólico e estratégico, pois mostrar que o oceano está junto a florestas e biodiversidade desde o primeiro grande palco da COP30 contribuiu decisivamente para ancorar essa discussão nas negociações que se seguiram.

Ao longo da Conferência, acompanhei de perto a evolução da agenda oceano–clima. A mudança foi nítida: salas cheias, sessões qualificadas, debates maduros e um interesse crescente da imprensa nacional e internacional, refletindo uma compreensão cada vez mais sólida de que olhar para o oceano é condição indispensável para enfrentar a crise climática. Ver o oceano — e, sobretudo, o reconhecimento de que somente com planejamento e gestão sustentável de nossas águas e zonas costeiras teremos ambientes saudáveis — ser incorporado como elemento estruturante dos resultados foi a prova concreta de que o engajamento coletivo está produzindo resultados reais.


A estruturação do Pacote Azul, principal entrega da agenda de ação de oceano, representou um avanço extraordinário para a pauta. O Pacote Azul reúne soluções baseadas no oceano em um formato coeso, colaborativo e orientado para implementação. Além das discussões internacionais, sua construção também foi debatida em um workshop organizado em parceria com o governo federal e o WWF-Brasil, com apoio da Fundação Oceano Azul. O encontro contou com a participação de 70 representantes de mais de 50 organizações da sociedade civil, povos indígenas, populações tradicionais, pesquisadores e autoridades governamentais. Somam-se a isso as inúmeras contribuições vindas da sociedade civil, da academia, do setor empresarial e das comunidades locais, reunidas no grande esforço do Mutirão Azul, através de um formulário próprio que ficou disponível até o final da COP. São 69 iniciativas nacionais e internacionais de ONGs, Empresas, Escolas, Comunidades e Academia, sendo que mais da metade foram submetidas por mulheres. 


Destaco, de forma muito especial, a inclusão explícita do oceano e dos ecossistemas marinhos no texto final da COP30 e nos indicadores de adaptação do Global Goal on Adaptation — conquistas concretas, que criam bases para avanços ainda maiores nos próximos anos.


Agora, ao olhar para os passos seguintes, pretendo seguir advogando para que o oceano permaneça no centro das discussões climáticas e também apresentar os resultados completos do Mutirão Azul, cujo trabalho segue até 2026. O objetivo é claro: transformar as propostas e soluções construídas ao longo desse processo em ações concretas, duradouras e escaláveis. A COP30 não é um ponto final — é um ponto de virada, um impulso decisivo para que o oceano continue ocupando o lugar que merece nas políticas climáticas nacionais e internacionais.


Por fim, deixo uma reflexão pessoal sobre o significado de ocupar esse espaço como mulher. Estar nessa posição me levou, diariamente, a reconhecer a força da voz coletiva feminina e o impacto transformador da presença de mulheres em espaços de decisão. Mulheres trazem a energia, a determinação, a sensibilidade e a coragem necessárias para abrir caminhos, sustentar agendas complexas e fazer com que a voz do oceano seja ouvida onde mais importa. Em muitos momentos senti, com intensidade, o peso e o poder de ser mulher nesse papel — e isso apenas reforçou minha convicção de que precisamos garantir que mais mulheres, especialmente de regiões costeiras, populações tradicionais, comunidades científicas e movimentos de base, ocupem espaços onde suas perspectivas transformam processos e resultados.


Seguiremos abrindo portas. Seguiremos fazendo barulho. E seguiremos, juntas, garantindo que o oceano permaneça no centro da agenda climática global.





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Marinez Eymael Garcia Scherer é doutora em Ciências Marinhas e professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no Brasil. Atua como Enviada Especial para o Oceano da COP30, nomeada pela Presidência Brasileira, liderando o diálogo e o engajamento de partes interessadas em temas relacionados à agenda oceano-clima. Seu trabalho concentra-se em Gestão Costeira Integrada, Planejamento Espacial Marinho e Gestão Baseada em Ecossistemas. É co-líder do Centro Regional de Treinamento OTGA Cono Sur e co-presidiu o Grupo de Trabalho da COI-UNESCO sobre Planejamento e Gestão Sustentável do Oceano (SOPM).












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