Licenciamento em risco: os impactos do PL da Devastação e o futuro das eólicas offshore
- Colaboradoras da Liga

- 3 de set.
- 7 min de leitura
Por Marina Dale
O Projeto de Lei (PL) 2.159/2021, conhecido como “PL da Devastação” foi, na realidade, criado em 2004, na Câmara dos Deputados. Sob autoria do Deputado Federal Luciano Zica (PT/SP, que coordenou a Frente Parlamentar Ambientalista em 2004) e relatoria do Deputado Ricardo Tripoli (PSDB-SP), ele começou como o PL nº 3.729/2004. A ideia inicial era criar um marco legal federal para disciplinar o licenciamento ambiental, incluindo a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) para empreendimentos que utilizassem recursos naturais ou tivessem potencial de causar danos ambientais, garantindo a sua aplicação pelos órgãos do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama).
Segundo matéria da Revista Piauí, o projeto tramitou por anos até sofrer alterações profundas a partir de 2016. Naquele ano, o deputado Mauro Pereira (MDB-RS) apresentou um parecer que reescrevia boa parte do texto, aproveitando o regime de urgência no qual o PL seria votado na ocasião do "desastre" de Mariana, em 2015. Em 2019, o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP, atualmente União-SP) assumiu a relatoria de um grupo de trabalho criado para dar andamento ao PL, escolhido pelo então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, sob a justificativa de “não representar nenhum dos lados”, o que mudou drasticamente de lá para cá. Em 2021, nova mudança veio com o deputado Neri Geller (PP-MT), em um texto elaborado com forte influência da Confederação Nacional da Indústria, de setores do agronegócio e do então ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas. Em maio do mesmo ano, a Câmara aprovou essa versão como PL 2.159/2021. O texto dispensava do licenciamento diversos empreendimentos, bem como obras de ampliação de hidrelétricas e estradas, e autorizava o “autolicenciamento” para projetos que não fossem classificados como de alto impacto. Essa norma ficou conhecida como “a mãe de todas as boiadas”, e o projeto seguiu para o Senado sob relatoria de Kátia Abreu (PP-TO, atualmente ex-senadora).
Ainda segundo a matéria e com o parecer do relator original Tripoli, o Brasil apresenta normas sobre licenciamento ambiental fragmentadas entre projetos de lei, dispositivos legais e resoluções do Conama, gerando sobreposição entre instâncias federais, estaduais e municipais, o que torna o processo lento. O PL nasceu justamente para resolver esse problema — afinal, como disse Zica à Piauí, “não dá para uma barragem ser licenciada só por um município, ou uma usina ser licenciada só por um estado, se o impacto geográfico é muito mais amplo”. No entanto, a proposta foi desvirtuada. Ao invés de promover integração e clareza, a versão aprovada pela Câmara em 2021, de acordo com parecer publicado no site do Observatório do Clima, aumenta a insegurança jurídica para empreendedores ao reduzir os mecanismos de controle sobre atividades com potencial degradador, além de enfraquecer a eficácia do licenciamento como ferramenta de prevenção de impactos e riscos.
Atualmente, sem considerar as modificações no processo propostas pelo PL, para que um empreendimento de grande porte obtenha licença ambiental, é necessário realizar um EIA/RIMA, processo demorado e oneroso, custeado pelo empreendedor, que deve apresentar os impactos da proposta e as razões pelas quais os mesmos são justificáveis. Concluído o relatório, ele é submetido à consulta pública e à análise de um órgão ambiental, que pode aprovar, negar ou exigir alterações no projeto. A instância responsável depende da abrangência do impacto. Na prática, o licenciamento é um processo de negociação, que pode resultar em mudanças significativas. Como destacou a Piauí, até Belo Monte, alvo de muitas críticas, teve sua área de inundação bastante reduzida após a análise ambiental.
Em 2025, o PL, que tramitava no Senado, foi aprovado em maio, com alterações. Em julho, a Câmara aprovou a nova redação na madrugada do dia 17. De acordo com a ADUSP, o PL cria, entre outras coisas, uma Licença Especial para empreendimentos considerados estratégicos pelo governo, permitindo que obras de grande impacto ambiental, como a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, sejam aprovadas de forma acelerada. Além disso, enfraquece a proteção de Unidades de Conservação e de Terras Indígenas e Territórios Quilombolas sem demarcação concluída, ao eliminar exigências de licenciamento em áreas não regularizadas e para uma série de atividades previstas no texto. Também há um esvaziamento das competências de fiscalização ambiental, já que o projeto propõe uma descentralização extrema.
Após aprovação na Câmara - que, segundo matéria da Sumaúma, manteve todas as emendas incluídas em maio pelo Senado -, o texto foi enviado ao gabinete do presidente Lula, que sancionou o PL, mas vetou partes importantes do projeto.
De acordo com o Instituto Socioambiental, o presidente vetou 63 dos 400 dispositivos do projeto, integral ou parcialmente, sendo 26 deles suprimidos integralmente. Para os demais, o governo editou uma Medida Provisória (MP) (1) com efeito imediato e enviou um projeto de lei com urgência constitucional para apresentar redações alternativas. A MP precisa ser analisada em até 120 dias e o PL em até 45 dias por cada Casa, mas os vetos ainda serão apreciados pelo Congresso sem prazo definido. Algumas das mudanças feitas pelo presidente reforçam a proteção de Terras Indígenas e Quilombolas. Também foram vetados dispositivos que retiravam a necessidade de licenciamento para Unidades de Conservação atingidas por impactos indiretos, bem como trechos que restringiam a autoridade de órgãos gestores dessas áreas. Pela nova redação proposta, pareceres da Funai e do ICMBio, por exemplo, deverão ser obrigatoriamente considerados.
Ainda de acordo com a matéria da Sumaúma, esses vetos precisam ser apreciados pelo Congresso em sessão conjunta, que reúne deputados e senadores. A decisão de marcar a sessão sobre os vetos cabe ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil do Amapá), autor da emenda que busca acelerar o licenciamento para projetos estratégicos, como a exploração de petróleo na Foz do Amazonas. Se os vetos forem derrubados, restará recorrer ao Supremo Tribunal Federal, responsável por julgar a constitucionalidade das leis.
Esse debate sobre licenciamento ambiental se conecta à transição energética, tema central no enfrentamento da crise climática, especialmente no caso do PL 576/2021, conhecido como “PL das Eólicas”, que regula parques eólicos offshore (em alto mar). Segundo matéria do Nexo Jornal, o projeto, apresentado pelo então senador Jean-Paul Prates (PT) que depois ocupou o posto de presidente da Petrobras de 2023 a 2024, prevê a instalação de equipamentos para geração de energia eólica em áreas como mar territorial, plataforma continental e zona econômica exclusiva. O modelo proposto inclui concessões mediante leilão, com fases para análise de viabilidade econômica e ambiental e, depois, execução do projeto.
De acordo com artigo do Portal da Fundação Getúlio Vargas, aprovado no Senado em 2022, o texto seguiu para a Câmara, onde recebeu emendas que incluíram dispositivos alheios ao objetivo original — os chamados “jabutis” — como a contratação de usinas térmicas a gás natural e a continuidade da operação de usinas movidas a carvão mineral. Essas alterações, justificadas em nome da segurança energética no período de transição, contradizem a proposta de ampliar fontes renováveis (2) e podem encarecer a conta de luz, distorcendo a concorrência entre matrizes. O projeto voltou ao Senado e, após aprovação, foi sancionado pelo presidente com vetos aos jabutis que, em junho, foram derrubados pelo Congresso, resultando em um encarecimento da energia estimado em R$ 7,5 bilhões por ano, segundo a CNN Brasil.
Um ponto polêmico é que a proposta não vincula a instalação de eólicas offshore ao Planejamento Espacial Marinho (PEM), ferramenta importante para ordenar os usos da zona costeira e marinha, buscando evitar conflitos e mitigar impactos sobre ecossistemas e comunidades tradicionais e locais. A redação atual remete essas avaliações ao licenciamento ambiental, justamente um instrumento que se encontra fragilizado pelo PL 2.159/2021. Segundo redação original do PL das Eólicas, a análise ambiental prevista inclui a exigência de EIA, conforme determina a Constituição e o princípio da precaução, mas, novamente, isso depende de um sistema de licenciamento que está ameaçado. Sem uma observância obrigatória do PEM e com licenciamento enfraquecido, o setor avança sem garantias de planejamento adequado, o que ameaça não apenas a biodiversidade marinha, mas também a segurança socioeconômica de comunidades tradicionais costeiras e povos indígenas que já sofrem impactos de grandes empreendimentos.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) defende que "com jabuti fóssil e sem salvaguarda socioambiental, não há energia limpa". O movimento indígena, por meio da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), tem reivindicado a retirada dos jabutis fósseis e a inclusão do Planejamento Espacial Marinho (PEM) no texto do PL.
Segundo matéria do Brasil de Fato, “não há razões práticas para que o PL não inclua o PEM como um instrumento prévio e obrigatório à instalação de eólicas no mar; a ausência desse planejamento coloca em risco não apenas o meio ambiente, mas também a segurança econômica e cultural de muitas comunidades litorâneas.”
(1) Segundo o Observatório do Clima, essa MP, de número 1308/25, busca regulamentar a Licença Ambiental Especial (LAE) e, em menos de um mês no Congresso, já ganhou 833 propostas de emenda, algumas com temas idênticos aos que foram vetados por Lula no PL original, "basicamente recriando o PL da Devastação original e indo além."
(2) De acordo com nota técnica das organizações Observatório do Clima e Coalizão Energia Limpa, os artigos pró-combustíveis fósseis no PL têm potencial de emitir 274,4 milhões de toneladas de CO2 (gás carbônico) nos próximos 25 anos. Essa poluição tem potencial de praticamente anular a redução de emissões que o Brasil obteve com a queda no desmatamento da Amazônia entre 2022 e 2023. Além disso, um dos resultados desses jabutis é a elevação do custo em geral da energia. Fonte.
Referências
A Metamorfose: Como um projeto de lei passou da defesa ao desmonte da política ambiental. Por Roberto Kaz, em Anais Legislativos da Revista Piauí, Edição 179, Agosto de 2021. Acesso em: [LINK].
Greenwashing Legislativo: a contradição no projeto de lei das eólicas offshore (no mar). Por Letícia Camargo, Brasil de Fato, Dezembro de 2024. Acesso em: [LINK].
Lula veta pontos importantes do 'PL da Devastação', mas nova lei segue com problemas. Por Oswaldo Braga de Souza, em Instituto Socioambiental, Agosto de 2025. Acesso em: [LINK].
O PL da Devastação foi aprovado. O que acontece agora?. Por Rafael Moro Martins, em Diário de Guerra da Revista Sumaúma, Julho de 2025. Acesso em: [LINK].
PL da Devastação realiza plano de Ricardo Salles de ‘passar a boiada’ no licenciamento ambiental. Nota do Grupo de Trabalho de Políticas Agrárias e Socioambientais da Adusp, Junho de 2025. Acesso em: [LINK].
Os jabutis no projeto de lei sobre eólicas offshore. Por Mariana Vick, em Nexo Jornal, Janeiro de 2025. Acesso em: [LINK].

Marina Dale é bióloga pela USP e mestranda pela UNICAMP, pesquisa manguezais em áreas protegidas no Brasil. Os seus principais trabalhos na área se resumem à atuação que teve na Secretaria Executiva do Diagnóstico Marinho-Costeiro da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES), do qual é co-autora, e na APA Costa dos Corais, como bolsista de monitoramento de pesca artesanal e de manguezais. É a mais nova integrante do GT Newsletter, colaborando como produtora de conteúdo.





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