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Liga Convida: Cintia Miyaji

Consumo consciente de pescado


No último dia 15 de outubro, uma postagem da Liga das Mulheres pelo Oceano nas redes sociais nos lembrou do Dia do Consumo Consciente. Essa data foi estabelecida, nacionalmente, pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) em 2015. Nesse mesmo dia é comemorado o Dia do Professor, então juntando as minhas várias facetas profissionais e interesses pessoais, venho aqui escrever sobre consumo responsável de pescado!


A data criada pelo MMA tem como objetivo despertar a consciência do público para os diversos problemas ocasionados pelos modelos de produção e consumo excessivo, que comprometem, sobretudo, os recursos naturais. Mas, para além dos impactos ambientais, o consumo consciente considera também as variáveis de mercado, como preço, qualidade e responsabilidade empresarial. E no mercado, as três letrinhas da sigla ESG (Environmental, Social and Governance) expressam a crescente preocupação das empresas com os critérios de sustentabilidade nas áreas ambiental, social e de governança, que passam a mensurar seu desempenho e balizar investimentos.


Uma pesquisa da consultoria GlobeScan em parceria com o Akatu, em 2020, posicionou os brasileiros no contexto global da busca por uma vida saudável e sustentável. Embora 41% dos entrevistados tenham concordado totalmente com a frase “Eu quero reduzir muito o impacto que eu tenho no meio ambiente” e 68% disseram ser uma prioridade “viver de uma maneira que seja boa para você, boa para outras pessoas e boa para o meio ambiente”, a expressão “sustentável” e derivadas não foram utilizadas no questionário, pois foram consideradas pouco conhecidas e porque são compreendidas de maneira muito distinta pelas pessoas.


No Reino Unido, uma pesquisa da Deloitte, levantou as mudanças de hábitos de consumo sustentáveis durante a pandemia de COVID-19. Uma parcela da população que ainda permanece indiferente ao consumo consciente afirma que não tem acesso a informações suficientes e claras que permitam que elas tomem decisões responsáveis de compra.


E quanto ao pescado? Como consumir o alimento que o oceano nos oferta de forma consciente? Quais são os critérios que devem ser analisados? Quais deles são essenciais? Quais podem ser mensurados? Quem pode fazer isso? Como levar essa informação à população? Como atuar nas etapas da cadeia anteriores ao consumidor? Essas e muitas outras perguntas sempre surgem quando falamos em consumo responsável de pescado.


Desde que as preocupações com a preservação do planeta se acentuaram na década de 90, surgiram inúmeros selos e certificações ambientais, que se propõem a atestar que este ou aquele produto foi produzido de maneira “sustentável” e se comunicam com o consumidor através de um logotipo impresso nas embalagens. O problema com o pescado já começa daí: o peixe fresco da peixaria não tem marca, não tem etiqueta, nem embalagem de fábrica! Tente se lembrar de alguma pesquisa do tipo top of mind que tenha perguntado sobre a marca do seu pescado favorito...


Mas claro que temos o pescado enlatado, as conservas e os congelados para justificar a existência desses mecanismos de comunicação com o consumidor. As latinhas podem trazer no rótulo uma mensagem, na forma de um selo “ecologicamente amigável” e assim, surgiram os selos Dolphin Safe que têm como objetivo sinalizar que não há captura de golfinhos na pesca do atum daquela lata. Então, além de nos preocuparmos com a conservação das populações do pescado em si, temos que ter atenção aos outros animais e ambientes que podem ser impactados de forma negativa, direta ou indiretamente, pela atividade pesqueira. Também tem que ser considerado o tipo de equipamento utilizado, pois uma rede pode cercar e capturar um golfinho, enquanto uma vara com um anzol não atrai ou fisga esses animais. Mas um anzol com uma isca apetitosa pode fisgar uma ave, e assim se somam mais e mais variáveis que descrevem uma pescaria e suas interações com o ecossistema.


O cultivo de organismos aquáticos, que vão além dos tradicionais peixes, crustáceos e moluscos tem crescido rapidamente nas últimas décadas, e a aquicultura tem sido apontada como a solução mais sustentável para a produção de proteína animal, a fim de garantir a segurança alimentar da população global nas próximas décadas. Embora possa ser realizada de forma controlada e programada, nem sempre pode ser considerada sustentável. O uso de espécies exóticas pode representar uma enorme ameaça ambiental devido aos escapes para os ambientes naturais, onde se tornam invasoras agressivas ou carregam doenças para as populações nativas. O uso de substâncias químicas, sejam hormônios de crescimento, sejam antibióticos ou suplementos alimentares, podem causar sérios impactos ao ambiente e até à saúde dos consumidores finais. Assim, a complexidade das variáveis a se considerar na definição de sustentabilidade nessas atividades não é menor do que na pesca.


Ao ter que abranger e avaliar tantos critérios, as certificações são complexas, os processos podem ser muito demorados, envolver muitas pessoas e por tudo isso, custam muito caro. Além disso, foram elaboradas e construídas para atender às atividades de pesca e aquicultura em escala industrial.


A fim de ampliar a comunicação a partir de uma abordagem diferente, surgiram as recomendações de consumo, materializadas através de guias (antes impressos, hoje digitais) que orientam os consumidores em suas compras, normalmente através de uma sinalização por cores. O mais tradicional programa de recomendações de consumo, o Seafood Watch do Aquário de Monterey Bay na Califórnia, Estados Unidos, utiliza as três cores tradicionais do semáforo, que intuitivamente levam o consumidor a dar preferência às espécies verdes, ter atenção com as amarelas e evitar as vermelhas. Fortemente embasados em dados científicos, os padrões e critérios de classificação do Seafood Watch não podem ser amplamente adotados em locais onde os dados são escassos, pouco confiáveis, fragmentados e sem continuidade (“coincidentemente” como o são no Brasil).


Mas lembram-se lá do começo do texto onde eu falava das três letrinhas, importantes para o mercado? Até há poucos anos, certificações e recomendações focavam seus esforços “apenas” nas questões ambientais. Mas a importância global da pesca artesanal, com seus conflitos sociais, territoriais, culturais, raciais e de gênero, tem impactado e pesado mais e mais na vertente da responsabilidade social da sustentabilidade das atividades pesqueiras. Abusos físicos e morais, trabalhadores em condições análogas à escravidão, falta de segurança e trabalho infantil são situações denunciadas, registradas e comprovadas mundo afora. Novos modelos de certificação centrados nos direitos humanos têm sido discutidos e adaptados sob demanda e urgência da sociedade.


Também “na conta” da sustentabilidade do pescado, temos a situação atual de emergência climática! A produção, o processamento, o transporte e a distribuição de pescado no mundo todo emitem quantidades massivas de gás carbônico não só para a atmosfera, mas também para a coluna d’água, quando as redes de arrasto de fundo revolvem os fundos oceânicos (re)disponibilizando o gás carbônico armazenado nos sedimentos. Então, será mesmo sustentável o filé de salmão ou o lombo de bacalhau certificado que viajou milhares de quilômetros até chegar ao seu prato?


Nada até agora parece caminhar favoravelmente para que tenhamos informações de sustentabilidade acessíveis e suficientes ao consumidor para que ele possa decidir conscientemente como comprar seu pescado, não é? Mas tenhamos paciência e sabedoria!

Cada vez mais pessoas e instituições têm se debruçado sobre as questões que envolvem a sustentabilidade da cadeia do pescado, de forma cooperativa, colaborativa e equitativa. O desenvolvimento dos ambientes virtuais de comunicação durante a pandemia permitiu uma troca e compartilhamento de informações nunca vistas e com alcances inimagináveis. Todos os dias, novidades tecnológicas permitem um maior controle e monitoramento das atividades, conferindo mais transparência e maior credibilidade aos processos e atores da cadeia. Cresce o número e a qualidade de profissionais de educomunicação que se dedicam a “traduzir” a complexidade desses temas para os cidadãos desde a mais tenra idade e assim, o comportamento de consumo das novas gerações tem mudado significativamente.


E quando falamos de consumo consciente, é preciso ir além do indivíduo e considerar o papel do governo, das empresas e das organizações da sociedade civil. Sem o empenho de todos, não há como levar a pauta adiante, e, assim, a viabilização de políticas públicas, leis, incentivos, educação e alternativas é ponto fundamental para esse debate.


Se por ora, eu deixei a tarefa complexa demais, vamos a dicas práticas para um consumo consciente:

  • Ao comprar seu pescado, informe-se! Pergunte ao peixeiro, leia o rótulo, veja se há folhetos disponíveis: Qual é a espécie? Onde e como foi pescada?;

  • Sempre que possível, busque produtos locais e da safra (sim, o pescado fresco é sazonal!);

  • Aprenda a escolher um pescado de qualidade, com alto frescor;

  • Aprenda a preparar seu pescado preferido, da sua forma preferida, na sua casa! Há milhares de vídeos, livros digitais e receitas gratuitas na internet. Pode ser mais simples do que você imagina, mais rápido, mais saudável e muito, muito mais barato do que em um restaurante!;

  • Evite desperdícios ao máximo! Prepare um caldo com as partes que sobrarem e composte o resíduo!

Bom apetite!

Cintia é bióloga com mestrado e doutorado em Oceanografia pela Universidade de São Paulo. Possui extensa experiência acadêmica, tendo atuado como docente e coordenadora do Curso de Oceanografia da Unimonte (Santos/SP). É co-fundadora da Paiche Consultoria e Treinamento, na qual busca trabalhar com a cadeia do pescado através da promoção de diálogo e conhecimento sobre pesca sustentável e consumo responsável de pescado. A Paiche integra a Global Seafood Ratings Alliance, a Conservation Alliance for Seafood e a iniciativa Open Tuna.


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