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  • Foto do escritorPaulina Chamorro

LIGA CONVIDA - Quantas mergulhadoras negras somos?

Atualizado: 16 de jul. de 2020


Convidamos Barbara Pinheiro, bióloga, especialista em gestão de ambientes costeiros tropicais, mestre e doutora em oceanografia pela Universidade Federal de Pernambuco para refletir sobre o tema, a partir da mesa do Encontro Recifal Brasileiro.

Barbara também é Diretora-Executiva do Instituto Ayni de conservação ambiental e desenvolvimento social.

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Entre os dias 6 e 8 de julho ocorreu o primeiro Encontro Recifal Brasileiro, um evento online, totalmente gratuito. O tema e o formato logo me atraíram e tratei de seguir o perfil desde o início! Época de pandemia, isolamento social, tudo é novo e demanda muita criatividade, articulação e organização. Eu fiquei acompanhando no instagram como seria a inscrição, submissão de trabalho e tal… E então começaram a divulgar os palestrantes! E que surpresa! A primeira palestrante confirmada era uma mulher, e que não é nem especialista em ambientes recifais e sim em divulgação científica! Tava lá… primeira figurinha do “álbum”, a Paulina Chamorro!! E eu pensando comigo mesma, “genteee, essa comissão organizadora tá super moderna! Colocaram uma comunicadora puxando o time de especialistas, nunca vi isso!”

Os dias foram passando e completando “as figurinhas” com carinhas conhecidas, algumas bem próximas, outras nem tanto. Senti falta de pesquisadoras que influenciaram minha vida acadêmica, mas em geral estava impressionada com a quantidade de mulheres que foram escaladas para “o time”. Até que saiu a programação do Encontro, e lá estava, no primeiro dia: “Mesa Redonda 3: Representatividade nos estudos recifais: onde estão as Zelindas? Lembro que corri pro celular e mandei uma mensagem para Pró Zelinda¹...“Eu prefiro a

original” brinquei compartilhando o print da divulgação da mesa!

Conversamos sobre as palestrantes, conhecíamos quase todas elas, menos uma, Quenia Lyrio. E foi justamente a fala da Quenia na mesa redonda que me fez questionar a representatividade de mulheres negras e mergulhadoras na academia, até porque, ter uma carteirinha de mergulhadora é quase um pré-requisito para quem faz pesquisa em ambientes recifais.

Na sua apresentação a Quenia destacou que entre as 399 pessoas que haviam respondido um questionário divulgado durante o período de inscrição no evento, apenas 36 profissionais, os demais estudantes de graduação ou pós-graduação. Entre os profissionais 28 pessoas se autodeclararam brancas, 8 pardas e nenhuma preta ou indígena! A ligação com a fala da Mariana, palestrante anterior mostrando os gargalos fica super escancarada. Embora o primeiro dado tenha sido animador… 71% das pessoas que responderam o formulário são mulheres, nos dados seguintes no entanto, quando classificaram as participantes por classe, logo se viu que a porcentagem de mulheres que seguem na carreira acadêmica diminui consideravelmente!

E querem saber se eu fiquei chocada com esses dados? Sinceramente, não fiquei.Eu faço parte desse mundo acadêmico há algum tempo. Eu vi muitas amigas desistirem no meio do caminho.Eu mesma desisti por seis anos entre o mestrado e o doutorado. Mas voltei, e não me arrependo. Só que uma coisa ficou martelando na minha cabeça aquela noite, porque é que não converso com as minhas amigas sobre nossa representatividade, porque que não falamos sobre questões de cor? Até falamos das questões de gênero e dos privilégios das diferenças entre classes sociais e localização geográfica.Mas a questão racial ficava sempre subentendida, quase nunca verbalizada. O sono chegou, resolvi postar nos stories para deixar registrado uma imagem congelada daquela conversa, e adormeci.

(Ps. só na manhã seguinte vi o post novamente e percebi que o corretor automático tinha corrigido para “mergulhadores” %&*))*&%$ )




Sei exatamente as duas únicas vezes que cheguei a comentar com uns amigos sobre questões raciais. Ambas foram quando me inscrevi em concursos para professora universitária. No primeiro concurso eu não me inscrevi na vaga das cotas para negros. Eu não me sentia bem com a ideia de poder tirar a vaga de alguma candidata mais escura do que eu, que tivesse passado por mais perrengues do que eu para chegar até ali. Pois bem, chegou a semana deste concurso, vamos nós, pego carona com amigos para o estado vizinho, fico na casa de parentes, e vou lá fazer a primeira prova. Termino a prova, já sabendo que minhas chances de passar para a próxima etapa são pequenas.. mas acabo voltando no outro dia para ver a leitura pública das provas… afinal, meu primeiro concurso, investi todas economias nas cópias dos comprovantes do currículo que tinha que ser autenticado, mas a grana para dividir o combustível, etc.. aproveitar o máximo que posso para aprender como funciona o sistema. E foi então que numa conversa de corredor com outros candidatos a “ficha caiu”. No meio da conversa uma pessoa pergunta se alguém sabe onde é que entrega a declaração de identidade social dos candidatos cotistas. Não vou descrever muitos detalhes, mas essa pessoa tinha olhos castanhos claros, nariz afilado e pele clara com um nítido bronzeado do dia anterior. Slap!!! Senti uma tapa na minha cara nesse momento. Acordaaaa mulher! Se você não lutar pelos seus direitos não vai ser só você quem não teve uma professora negra, nordestina, passando no meio dos ensinamentos acadêmicos, histórias de vida que conectam você, seus alunos e a sua região, serão as próximas alunas que não poderão se reconhecer nessas histórias, nem sonhar em um dia chegar aí onde você podia estar!

Um ano se passou… e o segundo concurso pela frente, dessa vez eu fiz diferente, na hora da inscrição … identidade social: parda! E no dia da prova a constatação, estava eu lá, única mulher negra da sala, cheia de orgulho e com um sorriso enorme no rosto!!

Se eu passei no concurso???… oxe.. claro que não!… o ponto sorteado foi logo “Taxonomia e Sistemática”… nos dois concursos! Uuuhh... nada contra quem gosta, inclusive tenho um grande amigo taxonomista, que admiro muito -e por causa dele e de muitos outros que ando usando sempre nas minhas postagens a #ISupportZootaxa- isso só não é pra mim!! Mas, voltando a história, sabe aquela postagem que eu fiz nos stories? Eu tinha marcado a Quenia, e no dia seguinte lá estava eu já conversando com ela, elogiando mais uma vez a fala dela e comentando que tinha visto que ela também tinha se cadastrado numa lista internacional de mergulhadoras pretas que publicaram na “coral list”. Eis que o post chamou a atenção de outra pessoa, adivinha de quem? Da Paulina Chamorro! E foi super engraçado! Porque ela pensou que eu era a Bárbara que estava na moderação da mesa redonda no evento…Mas não é a primeira vez que fazem isso!! Tem até uma história engraçada pra contar: a Bárbara Segal e eu (Bárbara Pinheiro), nunca nos conhecemos pessoalmente, mas em 2004, ela como pesquisadora do Coral Vivo em Arraial da Ajuda- Ba, e eu mestranda da UFPE, pesquisando em Tamandaré no Projeto Recifes Costeiros colaboramos no mesmo projeto, o de registrar pela primeira vez a desova do coral “couve-flor ou “coral-vela” Mussismilia harttii. A coincidência? As duas temos um mesmo sobrenome em comum... somos ambas também Bárbara Ramos!! A confusão de todo mundo na época era tanta, que até no livro no monitoramento dos corais brasileiros, na lista de agradecimentos aos voluntários do Reef Check- Br tem lá “Bárbara Segal, Bárbara Pinheiro e Bárbara Ramos” kkk



Bom, sei que confusões a parte, Paulina e eu conversamos um pouco e surgiu esse convite de escrever aqui no Blog. E o meu objetivo com essa conversa inicial é justamente levantar essa bandeira! Vamos falar mais sobre a representatividade das mulheres negras nos estudos sobre os oceanos e ecossistemas marinhos e costeiros!! Não vamos esperar que as meninas que estão agora pensando em escolher suas profissões não consigam seguir adiante na carreira por não terem alguém que as digam que vai ser difícil, mas elas conseguirão! Eu tenho muita vontade de levar para elas, aquilo que eu não tive, e que com isso eu vá preenchendo os vazios e as ausências que tive na minha própria formação. Falar para elas não perderem o bom humor e a coragem quando alguém reclamar que elas tão “sempre sorrindo, que se continuarem assim suas pesquisas vão acabar nem sendo publicadas numa revista em quadrinhos”… Por mais que seja difícil, com jogo de cintura, e a maturidade precoce muito peculiar do nosso povo, conseguimos dar a volta por cima! E eu acredito que se esse espaço aqui me foi dado, eu tenho que fazer o convite! Vamos falar dessas questões raciais! Você quer ser a próxima a contar sua história?


Bárbara Ramos Pinheiro

Bióloga, Especialista em gestão de ambientes costeiros tropicais, Mestre e doutora em Oceanografia pela Universidade Federal de Pernambuco. Atualmente bolsista de pós-doutorado, gerente de projetos do Laboratório de Conservação no Século 21 (@lacos21) da UFAL e Diretora Executiva do Instituto Ayni de conservação ambiental e desenvolvimento social (@institutoayni)


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