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Liga na Década com Maila Guilhon

Desafio: Competências e acesso às informações


Segundo a COI-UNESCO, durante a Década do Oceano será necessário "assegurar o desenvolvimento de competências a nível global e o acesso equitativo aos dados, à informação, ao conhecimento e à tecnologia relativamente a todos os aspectos da ciência dos oceanos e para todas as partes interessadas".


Liga: Se apresente da forma que preferir.

Maila: Olá, gente salgada! Meu nome é Maila Guilhon. Não tem como me apresentar sem falar do mar, porque ele tem tudo a ver com quem eu sou. Para mim o mar é um guia, uma espécie de professor. Guia de propósito, sentimentos, hábitos e escolhas. Ele foi o responsável pela escolha da minha profissão. Sou bióloga por causa dele. Minhas escolhas profissionais foram (quase) todas pensando nele. Fora do campo profissional, ele também me faz repensar todos os dias minhas escolhas e hábitos, ainda longe de serem perfeitos. Claro que cada partezinha do nosso planeta é importante e deve ser protegida. Mas o mar é aquela vozinha da consciência que diz “esse produto que você vai escolher impacta de alguma forma os oceanos?”, "você precisa mesmo comprar isso?” e por aí vai. Sempre podemos melhorar, claro, mas o jatinho dele está sempre lá me fazendo repensar. Por fim, a influência é tanta, que o mar definiu até a minha cor favorita, o azul, em seus infinitos tons, desde o turquesa em uma praia do Nordeste brasileiro até o marinho, chegando ao preto, das grandes profundidades que cobrem planícies abissais, fossas hidrotermais e montes submarinos no mar profundo.


Liga: Qual a sua relação com o mar profundo e como isso começou?

Maila: Minha relação com o mar profundo começou por um acaso. Depois que terminei meu mestrado, tive contato com a temática de áreas marinhas protegidas e resolvi que gostaria de me dedicar mais ao tema. Enquanto buscava ideias, me deparei com o conceito de áreas marinhas protegidas além das jurisdições nacionais. Ou seja, uma extensão de oceano protegido que não pertencia a nenhum país. O interesse em entender melhor como se dá a governança dessas áreas foi o que me levou ao encontro da possibilidade de estudar o regime da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (em inglês, International Seabed Authority - ISA), que possui a competência de gerir as atividades de mineração em áreas de fundos marinhos além das jurisdições nacionais. Os minerais encontrados nessas áreas são considerados como patrimônio comum da humanidade e devem ser geridos tendo em vista o benefício das gerações presentes e futuras. A relação desse tema com áreas marinhas protegidas em âmbito internacional está nas Áreas de Particular Interesse Ambiental (Areas of Particular Environmental Interest – APEIs), nomenclatura dada a uma espécie de rede de áreas marinhas protegidas em uma região conhecida como Clarion Clipperton Zone, no Oceano Pacífico. Foi esse o ponto de partida para o meu contato com o mar profundo, que se trata de todo o oceano do planeta que se encontra abaixo dos 200m de profundidade. Trata-se talvez da maior área desconhecida do planeta, em que ainda pouco se sabe sua biodiversidade e sobre os serviços ecossistêmicos providos por ela. Definitivamente, o fato de que há muito o que descobrir sobre o mar profundo, é o que mais me encanta e me intriga em aprender mais sobre o tema.


Liga: Na sua visão, quais são os entraves à partilha de conhecimento e à transparência de informações quando se fala em exploração dos fundos marinhos?

Maila: Essa é uma questão definitivamente desafiadora. No que diz respeito à exploração dos fundos marinhos em águas internacionais, o chamado contratante, que possui interesse em explorar os recursos marinhos presentes nessas áreas, tem o compromisso de submeter um relatório anual à ISA contendo as informações levantadas, desde o ponto de vista técnico, econômico até o ambiental. Por se tratar de uma área considerada como patrimônio da humanidade, subentende-se que o acesso a esses dados, principalmente os ambientais, são de interesse da humanidade como um todo. No entanto, existe atualmente uma falta de transparência no compartilhamento dessas informações, sob o pretexto de que por se tratar de economicamente estratégicas, devem ser confidenciais. Dessa forma, não existe um compartilhamento efetivo dos dados até então coletados pelos contratantes. Dessa forma, perde-se uma grande oportunidade de expandir o conhecimento acerca do mar profundo, principalmente considerando-se que o acesso a essas áreas, bem como a logística são extremamente custosos. Em 2019, a ISA lançou o DeepData, plataforma virtual que seria utilizada para disponibilizar informações e dados ambientais das áreas de exploração ao público geral. A ideia é bastante boa, mas na prática, a plataforma não tem se mostrado nem intuitiva e nem eficiente para usuários.


Liga: Durante a COP 26, falou-se muito em descarbonização das matrizes energéticas, mas pouco se enfatizou que muitas das reservas minerais estão em mar profundo, esquecendo um pouco dessa conexão clima-oceano. Na sua opinião, como essa relação pode ser fortalecida ao longo da Década do Oceano?

Maila: A Década é uma oportunidade para se pensar e operacionalizar colaborações em termos de coleta, padronização e compartilhamento de dados sobre o oceano. Nesse sentido, iniciativas como o Challenger 150, proposto pela Deep Ocean Stewardship Initiative, representa um importante passo nessa direção. O Challenger 150 trata-se de uma ação endossada pela Década do Oceano da ONU e visa estabelecer, em conjunto com diversas instituições e universidades ao redor do mundo, uma coordenação para atingir os objetivos propostos pela Década. A ideia é coordenar entre diferentes grupos os esforços de pesquisa, capacitação e cobrir lacunas de conhecimento relacionadas ao mar profundo ao redor do globo. Fortalecer a Década é pensar e trabalhar em conjunto, maximizando recursos humanos e financeiros.


Liga: Como é o oceano da Maila em 2030?

Maila: Um oceano percebido e reconhecido por seus benefícios, importância e potencialidades para manutenção da saúde planetária.


Maila é doutoranda em Oceanografia na USP, Fellow no Instituto de Estudos Avançados em Sustentabilidade em Potsdam, na Alemanha, conselheira da Liga das Mulheres pelo Oceano e da Deep Sea Stewardship Initiative (DOSI).


Esse texto foi coordenado por Natalia Grilli, coordenadora do GT-Década do Oceano da Liga das Mulheres pelo Oceano.

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