como cuidar das mulheres é essencial para a proteção dos manguezais e resiliência climática
Por Bruna Martins
Na minha trajetória de dedicação aos manguezais amazônicos, tenho desenvolvido uma abordagem ecossistêmica, compreendendo de forma profunda que também sou parte do emaranhado de raízes que configuram esse ambiente. Quando falo em raízes, eu analiso desde a raiz etimológica da palavra ecossistema, onde destaco o “oikos” do grego antigo que transmite o conceito de “casa” e as minhas próprias raízes ancestrais, como neta da dona Rita, uma mulher que dentre tantas, foi marisqueira em uma comunidade no litoral do Pará. Eu me encontro sob a ótica da ecologia profunda nessa grande casa comum, de espécies humanas, não humanas e de todas as relações que fazem a vida acontecer nos manguezais.
O manguezal, ou “mangal” como referido pelas comunidades costeiras do norte do Brasil, é área de berçário para inúmeras espécies, a verdadeira maternidade da vida marinha e aquática. Também é fonte de sustento para as comunidades costeiras que tem seu modo de vida moldado pela sua relação com esse ecossistema. Proteção, sustento e cuidado, são alguns dos aspectos “maternais” dos manguezais que é capaz de absorver da atmosfera, até 5 vezes mais de dióxido de carbono e por isso é considerado essencial para a segurança climática. A porção mais conservada dos manguezais do mundo se encontra na costa amazônica, a faixa contínua que se estende do Cabo Orange, no Amapá, até a Baía de São Marcos, no Maranhão, tem aproximadamente 7.500 km2, e pelos menos 85% desses manguezais estão nas áreas de Reservas Extrativistas (RESEX). É preciso destacar que 12 RESEX se encontram no litoral do estado do Pará, um cordão de unidades de conservação no estado que possui 22,5% das áreas de mangue do Brasil.
A partir desse contexto, é importante entender o modo como a vida humana se relaciona com o “mangal”. A atividade extrativista costeira e a pesca artesanal, são atividades produtivas do ponto de vista econômico e cultural. Estima-se que nas 12 RESEX do Pará, cerca 18 mil famílias (MMA, 2018) tenham suas relações de vida e subsistência relacionadas aos manguezais. Ainda no estado do Pará, as mulheres possuem um protagonismo na atividade pesqueira, cerca de 95 mil mulheres são registradas como pescadoras, segundo informações do Registro Geral da Pesca (2012). Eu faço o recorte nessas duas informações, pois grande parte da atividade pesqueira artesanal e extrativista ocorre e de certo modo envolve os núcleos familiares, e, nesses núcleos, as mulheres desempenham um papel fundamental de agregadoras. Nas relações comunitárias, elas são o elo familiar que garante e a realização das atividades produtivas, seja participando do extrativismo diretamente ou contribuindo em etapas importantes do processo. As mulheres administram lares, relações sociais e recursos, acumulando tarefas e responsabilidades sem muitas vezes se sentirem valorizadas por esse papel.
Em 2021 começamos uma campanha de valorização do protagonismo de mulheres nos manguezais do Pará. A proposta de adentrar narrativas de mulheres guardiãs desse território/maretório, e elevar suas vozes, discursos e demandas por meio da campanha Mães do Mangue, fruto da parceria da Rare com a Purpose e os movimentos de base organizados (Confrem e Associações de Usuários das Resex). Antes disso já iniciamos um trabalho interessante de organização de grupo de mulheres com o propósito de educação financeira, os “Clubes de Poupança”, que são parte de uma metodologia que fortalece o coletivo a partir de um hábito comum “poupar recurso e entender as finanças”. Aos poucos, a partir do encontro dos grupos de mulheres, esses espaços se transformam também em locais de acolhida, de cuidado, e de fortalecimento de laços. Ao final da campanha, em 2021, em um encontro de avaliação de resultados, as mulheres decidem criar uma rede Mães do Mangue. Em 2022, a Rede Mães do Mangue passa a operar, com assessoria da Rare e da Purpose, a estratégia de “fundos sementes”, pequenos incentivos financeiros para geração de grupo de mulheres, organizados com foco na sociobiodiversidade dos manguezais. Atualmente a Rede Mães do Mangue, conta com cerca de 700 mulheres em 37 grupos nas 12 Reservas Extrativistas.
As Mães do Mangue, são filhas desse ecossistema, compreende seu valor e sua importância com o cuidado da natureza e das comunidades. Ao final de 2022 chegamos a um ciclo de realização dos fundos sementes, revelando talentosas artesãs, resgatando práticas e identidades culturais, fortalecendo mulheres, grupos, familias, comunidades, cuidando de quem cuida para que juntas possamos com alegria desempenhar nosso papel de filhas com a nossa grande Mãe Mangue.
Sobre a autora: Bruna (Mangueóloga) Martins
Bruna é oceanógrafa formada pela Universidade Federal do Pará e mestra em Ecologia e Conservação da Biodiversidade pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). Hoje em dia se considera Mangueóloga, pela formação com os mestres e as mestras das marés nos manguezais amazônicos. Atua na gestão participativa, de áreas protegidas, por meio de abordagem ecossistêmica. Colabora na Rare Brasil como Gerente de engajamento.
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