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Maternidade suficientemente sustentável

Liga Convida: Yonara Garcia


Há alguns anos atrás, após anos estudando/ trabalhando na área ambiental, eu comecei a refletir sobre todos os hábitos da minha vida. Eu não via sentido em estudar dentro do contexto ambiental e não viver de uma forma mais sustentável. Eu olhei para vários aspectos, como minha qualidade de vida, minha alimentação, meus hábitos, minha produção de lixo etc. Como ser mais sustentável? Como diminuir o impacto que a minha existência causa no planeta? Então eu comecei a fazer várias mudanças, tanto internas, quanto externas. Eu tentei diminuir ao máximo minha produção de lixo, fazendo algumas substituições, como o uso do vinagre, uso de shampoo sólido feito de forma artesanal, aprendi a fazer meus próprios produtos de limpeza, separava o lixo para a reciclagem, diminui o uso do plástico fazendo diversas substituições, montei uma composteira, evitava usar meu carro, dando preferência à bicicleta, mudei meus hábitos alimentares para uma alimentação mais natural e saudável, fiz uma mini horta para produzir meus próprios temperos…e quanto mais eu seguia nesse caminho, mais eu me sentia bem. Todo esse movimento na tentativa de ser mais sustentável não foi desgastante pra mim. Talvez tenha sido mais fluido, já que eu tinha mais controle de como eu vivia, até porque eu morava sozinha, na cidade de Ubatuba (SP), onde meus hobbies eram fazer trilhas, ir a praias, cachoeiras, subir montanhas. Eu sinto que estava vivendo numa bolha que me possibilitava levar esse estilo de vida. Até que houve uma mudança na minha vida que me fez entrar em um percurso muito desafiador: eu me tornei mãe.


Logo que eu engravidei, continuei morando em Ubatuba e ainda conseguia manter vários dos hábitos que eu tinha. Já no final da gravidez, optei por ter o parto em Juiz de Fora (MG), pois é a cidade onde moram meus pais, onde eu sabia que os hospitais eram bons, o que me dava mais segurança. Mas a ideia era voltar para Ubatuba assim que a bebê completasse três meses. Eu queria muito inserir aquele bebê no meu contexto, estilo de vida, mas as coisas mudaram totalmente. Assim que minha filha completou os três meses, começou a pandemia. Naquele momento de total incerteza, sem saber direito que doença era aquela, eu optei por permanecer na casa dos meus pais até que tudo melhorasse. Então, se passaram três longos anos para que eu conseguisse voltar a trabalhar na área ambiental. Foram três anos muito complicados para minha saúde mental, eu estava afastada da minha profissão, me dedicava exclusivamente à minha família e àquele bebê, toda hora era algum fogo para apagar, não tinha mais minha casa, saí totalmente daquela rotina mais sustentável que eu havia criado pra mim. Como ensinar minha filha sobre o planeta, sobre o respeito pelo meio ambiente, sobre tantas coisas que eu idealizava que iria fazer com ela, sendo que minha vida estava de cabeça para baixo? Mas é aí que as crianças te ensinam muitas lições!


Em meio a tanta ansiedade, angústia, culpa, que tomava conta de mim, e até mesmo vergonha por estar com sentimento de fracasso, eu tentava dar meu máximo para minha filha. E eu comecei a observar e a ficar mais atenta ao seu desenvolvimento, ao seu olhar, às suas curiosidades. Na época talvez eu não pensasse nisso, mas levar ela pra observar, sentir o ambiente, dar respostas a suas perguntas sobre cada coisa que estava funcionando ao seu redor, talvez tenha sido uma forma de desenvolver o seu olhar sobre todo o ecossistema. Como querer cuidar, sem amar? Como querer cuidar, sem entender que somos parte disso? Lembro do dia em que caminhávamos por uma trilha e encontramos um roedor morto, já em decomposição. Ela quis parar, observar, entender o que eram todos aqueles organismos que estavam ao redor daquele animal morto. E eu, calmamente, expliquei o que estava acontecendo, pois era parte do ciclo da vida. Sempre que andamos, seja no mato ou na cidade, ela ama coletar. Coletar penas, sementes, galhos…o que não falta são objetos coletados por ela nas minhas bolsas rsrsrs. Ontem, quando estávamos na praia, ela pegou uma concha, achou linda e me pediu pra levar. Às vezes eu deixo ela trazer, mas resolvi fazer diferente, resolvi explicar porque deveríamos deixar a conchinha na areia. Na mesma hora ela entendeu e jogou de volta. Ao encontrar uma pena, antes de pedir pra guardar, ela perguntou “O mar também precisa dela, mamãe?”. Isso me encanta, pois ela, com apenas 4 anos, já começa a entender sobre a importância das coisas, das nossas ações, e de forma surpreendentemente rápida.


Então, quando me vêm todas essas cobranças por não ser lixo zero, ter muitas ações que contribuem para a poluição do meio ambiente, não ser sustentável da forma que eu gostaria, eu tento me lembrar do caminho que estou trilhando. Como bióloga e pesquisadora, eu procuro entender, por meio da minha tese de doutorado, se as Áreas Marinhas Protegidas do Estado de São Paulo estão sob ameaça da contaminação (microplásticos, HPAs, TBT etc). A ideia desse trabalho é identificar os contaminantes, mapear e entender as possíveis fontes, para que esses dados sejam levados aos gestores, a fim de desenvolvermos algumas ações de mitigação. Como mãe eu tento ser suficientemente boa, pois o peso de ser mãe-solo é muito grande. Mas eu tento ser a melhor mãe que eu consigo para minha filha, tentando guiá-la da melhor forma possível para ser um ser humano melhor. Como mais um habitante desse planeta eu tento ser suficientemente sustentável. Tento fazer o que está ao meu alcance, mas sem a pressão de acertar em 100% das vezes, o que é impossível. Às vezes você precisa usar um copo plástico. Às vezes, você, na correria, esquece a bolsinha de mercado e não vai deixar de comprar algo necessário só pra não usar a sacolinha plástica. Acontece!


Mas dentro de todas as minhas ações, pensando no planeta, acho que a mais valiosa e de maior contribuição é ensinar a Mia a olhar curiosamente para seu entorno e entender que ela faz parte disso. Que devemos cuidar, ter atitudes conscientes e que façam a diferença. Talvez você pense, “ah, mas quem de fato acaba com o meio ambiente são as indústrias, a má gestão pública…que as ações individuais são apenas uma gota nesse imenso oceano”. E sim, isso é verdade. Mas, se eu não ensinar ela com ações individuais, como ela vai aprender a ser voz para lutar por um mundo melhor no futuro? Apesar de ser apenas uma gota, ela ainda é oceano.


E se você quiser ler um pouquinho mais sobre minha maternidade, leia “A relação de uma alga, um ciliado, uma mãe e sua filha” no Bate-papo com Netuno. 


Sobre a autora: 

Yonara é bióloga pela Universidade Federal de Juiz de Fora, mestre em Ciências (Oceanografia Biológica) pelo Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, doutoranda no Instituto do Mar da Universidade de São Paulo, editora do Blog Bate-papo com Netuno e mãe-solo.

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