Por Narelle Maria de Almeida
A zona costeira do estado do Ceará, assim como de outros estados brasileiros, desempenha um papel crucial em diversos aspectos econômicos, ambientais, sociais e culturais. Abriga uma diversidade de ecossistemas, como manguezais, dunas e recifes, fundamentais para a biodiversidade e para a pesca. A atividade pesqueira e a aquicultura são cruciais para a economia local, garantindo alimentação e renda. O turismo costeiro, impulsionado pela beleza natural das praias e esportes aquáticos, é uma importante fonte de receita e emprego. A cultura e identidade locais também estão intimamente ligadas ao mar.
No entanto, tudo isso pode ser comprometido tendo em vista que quase a metade (49,16%) da costa cearense poderá perder pelo menos 10 metros de faixa de areia até 2040. É o que indica o primeiro estudo preditivo de toda linha de costa do Estado do Ceará, desenvolvido pelo Geólogo Luiz Henrique Joca Leite sob minha orientação, publicado na Revista de Geociências da Unesp. Link (doi.org/10.5016/geociencias.v42i03).
Embora a erosão costeira seja um processo natural, onde áreas litorâneas sofrem a remoção de sedimentos devido à ação de forças, como ondas, marés, correntes e ventos, este fenômeno também pode ser acelerado e/ou intensificado por fatores humanos. Pode-se citar como exemplos a construção de estruturas costeiras, o uso e ocupação indevida do solo, barragens fluviais, extração de areia e as mudanças climáticas.
Nossa pesquisa reuniu um banco de dados de imagens de satélite da zona costeira do Ceará do período de 1984 a 2020. As linhas de costa das imagens foram convertidas utilizando Python e técnicas de aprendizado de máquina supervisionadas em arquivos georreferenciados, criando uma linha de base para cada ano. A partir disso, calculamos as mudanças ao longo do tempo e prevemos a posição futura da linha de costa.
A modelagem realizada no estudo identificou uma tendência de redução das porções de linha de costa em equilíbrio e um aumento significativo dos segmentos erosivos. Isso foi observado tanto nos dados históricos analisados entre 1984 e 2020 quanto nas projeções para os anos de 2030 e 2040.
De 1984 a 2020, 48% da linha de costa esteve sob condições de equilíbrio, 38% de erosão e 14% de deposição. A previsão para 2040 é de 16% de estabilidade, 49% de erosão e 35% de deposição.
Várias praias poderão ser intensamente afetadas com erosão de até 436 metros de faixa de areia. Para mitigar os impactos ambientais que estes processos podem ocasionar, algumas ações poderiam ser tomadas, tais como:
A atualização do ZEEC do Estado do Ceará, considerando os hotspots erosivos apontados pelo estudo;
Desenvolvimento de novos estudos em escala regional e local levando consideração de mais variáveis na modelagem preditiva, tais como velocidade dos ventos, pluviosidade, ação das ondas, marés, correntes, eventos de tempestades, elevação do nível do mar e ação antrópica.
Utilização de soluções baseadas na natureza como recuperação de dunas frontais e revegetação de áreas costeiras. Estas soluções são propostas para que evitemos a artificialização e endurecimento de nosso litoral, bem como a perda de nossas praias com características naturais.
Os processos erosivos acentuados podem prejudicar nossa costa, região de grande importância econômica, ambiental, social e cultural, que desempenha um papel vital na sustentabilidade e no bem-estar da população e na biodiversidade costeira. É fundamental garantir a proteção e o manejo sustentável dessa região para as gerações presentes e futuras!
Sobre a autora:
Narelle de Almeida é professora do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Coordenadora do Laboratório de Geologia e Geofísica Marinha e Aplicada à Energia (LGMA-UFC). Tem atuado no Ensino (Graduação e Pós-graduação), Pesquisa e Extensão. É membra do PGGM, do GAM-NE e mamãe atípica do Zion.
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