Liga Convida: Amanda Suita
A missão Terra, missão Água nos conduz a sentir e compreender que tudo está interconectado, entrelaçado, e que, apesar das nossas diversidades em ambientes, experiências, corpos e mentes, a natureza nos une através das nossas respirações e dos batimentos dos nossos corações. Assim como muitas mulheres da Liga, também estou trilhando o caminho do conhecimento para melhor defender e ensinar sobre a vital importância da vida em nosso planeta, especialmente no oceano.
No meio dessa jornada, surgiu uma oportunidade extraordinária - um sonho que brilhava intensamente em meu espírito: o profundo desejo de conhecer a Amazônia e seus povos. Desde a infância, muitas coisas no mundo me pareciam inexplicáveis e uma delas era a falta de harmonia entre nós e a natureza.
E lá fui eu! Enviada pela Sustainable Ocean Alliance (SOA), representando a SOA Garopaba, Instituto Monitoramento Mirim Costeiro (IMMC), junto a outras jovens líderes, representantes da SOA Brasil e SOA Peru, fomos participar dos eventos Pré-COP 30, em Belém do Pará/PA, no início de agosto.
Entre os dias 4 e 6 de agosto, estivemos engajadas no evento "Diálogos Amazônicos", que reuniu cerca de 30 mil participantes, sendo representantes governamentais, membros da sociedade civil, acadêmicos, entidades do setor público e privado, assim como as diversas etnias pan-amazônicas. O objetivo central era fomentar o diálogo construtivo e a colaboração entre as nações e povos da Amazônia, com propósito fundamental da proteção contínua da Amazônia e a promoção do desenvolvimento sustentável na região.
Vou ser bem sincera, essa experiência foi verdadeiramente uma maratona!
Ao longo de somente três dias, ocorreram oito plenárias oficiais, entre as quais, cinco eram sessões síntese e três, transversais. Paralelamente, foram realizadas mais de 400 atividades auto-organizadas ao longo de todo o evento. No contexto desta jornada, eu e outras três mulheres representando a SOA tínhamos como missão participar de painéis e sessões plenárias que abordassem uma ampla gama de tópicos, como oceano, clima, educação, juventude, transição energética, além da exploração de recursos naturais finitos. Estes temas eram intrinsecamente ligados aos povos que habitam a região amazônica e ao seu ecossistema singular.
As exposições, que se estendiam por aproximadamente duas horas cada, nos desafiavam a entender a complexidade de cada assunto, ouvir os relatos de tantas vozes representativas e nos driblar para se deslocar para diferentes espaços em um curto período, muitas vezes distantes do local principal, o Hangar - Centro de Convenções.
A "Assembleia dos Povos da Terra pela Amazônia" também estava sendo realizada em outra localidade, na Aldeia Cabana, ambiente totalmente diferente do formal e aclimantado evento principal. A assembléia foi organizada em união com diversos movimentos, coletivos, redes, educadores, ativistas, instituições e organizações representativas dos povos indígenas, quilombolas, caboclos, negros, camponeses, ribeirinhos, extrativistas, artistas, líderes religiosos, defensores ambientais, acadêmicos, comunicadores, mulheres e habitantes da Amazônia, além de outras regiões. Esse evento contou com a participação de cerca de 10 mil pessoas, muitos deles vindos com seus parentes em viagens longas e difíceis. Em todos os cantos, se ouvia sobre o descaso com eles nesse evento, pelo calor, pela chuva, falta de energia, distância e falta de representatividade nos “Diálogos Amazônicos”.
O desfecho destes diálogos resultou na coletiva construção de relatórios e cartas, que foram entregues aos chefes de Estado, durante a Cúpula da Amazônia, realizada entre os dias 8 e 9 de agosto, cuja promoção coube à Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), que reuniu os presidentes e representantes de Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Este encontro representa um marco, sendo a quarta vez que os líderes se reúnem, desde a assinatura do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), em 1978. Porém, destaca-se que esta ocasião marca a primeira vez em que o povo Amazônidas foi conferido com o direito de voz em uma Cúpula.
Os seis relatórios gerados pela sociedade civil, entregues aos chefes de Estado, contiveram uma série de recomendações voltadas à proteção da floresta. Essas recomendações abarcam a preservação dos territórios indígenas e quilombolas, a segurança alimentar, a salvaguarda dos corpos e territórios, a garantia de acesso à água potável, educação e investimentos em pesquisa científica na região Amazônica. Ademais, propõe o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis, uma transição para uma economia baseada em energias renováveis, a luta contra o racismo ambiental e o reconhecimento dos direitos inalienáveis dos povos e comunidades tradicionais, entre outros pontos.
“Querem acabar com a floresta, mas o povo não vai deixar, o povo não vai deixar”, “A Amazônia querem acabar, as mulheres não vão deixar, as mulheres não vão deixar”, “Mulheres Amazônidas”, esses eram um dos cantos entoados durante todos esses dias.
Além dos relatórios, foram entregues a carta “Contribuições dos Povos Indígenas, Comunidades Locais, Sociedade Civil, Comunidades de Fé e Redes para uma Pan-Amazônia unida, próspera, justa, inclusiva e sustentável” ,iniciativa liderada pelo Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), Fundação Amazônia Sustentável (FAS), Rede Soluções para o Desenvolvimento Sustentável na Amazônia (SDSN Amazônia), Sustainable Ocean Alliance (SOA), Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (FBOMS), Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), entre outras organizações, e a carta “Povos da Terra pela Amazônia - Nada Sobre Nós Sem Nós!”, construída pela Assembleia dos povos. Essas cartas foram entregues durante a “Marcha dos Povos da Terra pela Amazônia”, no dia 8 de agosto, na Cúpula da Amazônia, que contou com a participação de 5 mil pessoas.
Marchei junto, com todo meu amor, suor e lágrimas, pois toda luta pela natureza vale a pena. Não tem como defender o oceano sem defender o clima.
Não tem como defender a Amazônia sem defender seus povos.
Amanda Suita
À medida que a Amazônia se desdobrava diante de mim como o reino das águas, em muitos momentos, senti-me profundamente emocionada, permitindo que as lágrimas rolassem livremente. A ancestralidade, muitas vezes negada por ambos os lados da minha família, pulsa de forma mais intensa durante essa imersão e conexão com os povos originários, quilombolas e comunidades tradicionais. Carrego em meu ser uma missão de proteção à natureza, e tudo o que eu almejava era estabelecer um vínculo com todos aqueles que a defendem. Neste caso, porém, transcende o mero dever e sentimento de proteção; eles se dedicam a essa causa não somente por amor à mãe terra, mas também por sua própria existência. São séculos de luta que ecoam através do tempo.
Se fui agraciada com essa oportunidade, que se materializou através do meu trabalho e da equipe com a qual colaboro, o que trago de lá e desejo compartilhar é que quando as mulheres se unem, elas se assemelham a nascentes, fios d´água, riachos e pequenos rios que, ao se encontrarem, entrelaçam suas forças e se tornam imparáveis.
Amanda Suita
Ao longo de todos os espaços de discussão e representação que testemunhei, deparei-me com mulheres guerreiras, caçadoras, mensageiras, jovens, curandeiras, acadêmicas, vozes políticas, religiosas, artesãs, LGBTQIA+, trabalhadoras da floresta, do campo, das águas, das periferias, das cidades, de diversas tonalidades de pele, etnias e culturas, formando uma verdadeira floresta biodiversa de mulheres.
Nesse evento, experimentei a poderosa energia das mulheres amazônidas. No Brasil, são mais de 14 milhões de mulheres na região amazônica, de acordo com os dados do IBGE. São essas mulheres que enfrentam de forma mais intensa a exploração de seus territórios, além de enfrentarem desafios nos contextos urbanos, onde seus territórios, corpos e direitos são frequentemente violados. Apesar dessas adversidades, elas continuam resistindo e se unindo em prol de direitos igualitários, respeito e segurança, em diversos aspectos. Sinto que a conclusão desta missão envolve dar voz às mulheres representantes de seus povos que tive o privilégio de conhecer durante essa jornada.
No ambiente dos "Diálogos Amazônicos", onde a juventude compartilhava suas realidades e considerações, com foco na justiça climática, igualdade e defesa de seus territórios e corpos, tive a oportunidade de ouvir jovens amazônidas como Raqueli Monteiro, Txai Suruí, Karla Braga, Bruna Martins, Hannah Balieiro, Flavia Guedes, Kerlem Carvalho, Karina Penha, Ana Rosa Cyrus e muitas outras. Gostaria de destacar o nome e a representatividade de tantas vozes que merecem ser escutadas, já que muitas permanecem invisíveis e não recebem a devida atenção, sinto por não poder citar todas. Por meio deste texto, espero proporcionar representatividade a algumas delas.
Dentre essas jovens que estavam acompanhadas por suas comunidades, encontrava-se Lara Fernandes, uma integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). No espaço dedicado ao artesanato, Lara usou sua voz e conhecimento para sensibilizar as pessoas sobre os impactos da exploração dos recursos naturais em seu território. Ela compartilhou como, muitas vezes, a comunidade precisa comprar água devido à poluição de suas fontes naturais, e recomendou livros disponíveis em sua bancada, que abordavam os impactos negativos para o meio ambiente das explorações por recursos naturais finitos.
Outra mulher que conheci foi Lucidalva Nascimento, uma cabocla da bacia de Tapajós, em Santarém/Pará. Ela integrou essa série de eventos por meio do Movimento Tapajós Vivo, com o objetivo de ouvir, debater e encontrar soluções conjuntas, com seus semelhantes, acerca de suas realidades compartilhadas. Lucidalva enfatizou que o rio é como uma rua para sua comunidade, sendo vital para sua subsistência e uma conexão viva com a ancestralidade. Ela concluiu afirmando que o sistema capitalista não reconhece as populações que dependem desse rio e vivem em suas margens. Para ela, qualquer tipo de exploração não sustentável, só enxerga o rio, o oceano, apenas como um bem comercial, ignorando que ali existem vidas e pessoas.
As vidas importam e, durante os encontros que presenciei na Assembleia dos Povos, a denúncia de violência ao Povo Tembé de Tomé-Açu se fez presente, além de serem obrigados por anos a conviver com posseiros e sofrerem com os impactos de fazendeiros, madeireiros e empresários em seu território, eles estão sofrendo com a violação direta dos direitos humanos, por causa do óleo de Dendê. Durante os dias desses eventos, em Belém do Pará, suas lideranças foram baleadas por causa desses conflitos. Elisângela Tembé (mãe de Kauã, um dos jovens líderes que foi baleado), estava pedindo justiça e ações para que parassem de matar seu povo.
Durante a marcha dos povos, todas as vozes ecoavam e se entrelaçavam em um desejo uníssono de colocar os povos amazônidas como protagonistas nas discussões acerca da Amazônia, abordando seu lar, corpos e existência.
“Nada sobre a Amazônia sem os Amazônidas!”
Anahí Nukini
Entre as mulheres que tive a oportunidade de escutar estava Anahí Nukini, uma indígena, também conhecida como Andrea Oliveira, oriunda de Mâncio Lima, no Acre. Ela é professora, ativista e representante da Associação Vakavisu do povo Nukini. Durante nosso diálogo, Andrea compartilhou que ela e membros de outras comunidades viajaram em grupos, composto por mulheres, homens, crianças, idosos e jovens. Muitos desses indivíduos eram os únicos representantes de suas respectivas etnias, enfrentando jornadas de mais de quatro dias de ida e volta, às vezes lidando com doenças ao longo do caminho. Ela enfatizou que, apesar dos esforços e da cansativa viagem, ao chegarem em Belém, os indígenas que vivem nas aldeias não foram ouvidos e não foram adequadamente representados por aqueles que não compartilham da mesma realidade vivenciada nas aldeias.
Andrea ressaltou que, embora muitas oportunidades de negócios sejam apresentadas, os direitos e benefícios não estão acessíveis a eles. Ela destacou a falta de transparência e o escasso envolvimento direto das comunidades nas discussões. Além disso, apontou a ausência de representantes genuinamente comprometidos com suas necessidades e visões. Quando questionada sobre a principal razão que a motivou a enfrentar essa longa viagem, explicou que estava relacionado à venda de créditos de carbono. Metade de seu povo discorda desse processo, devido à carência de transparência, consultas prévias e, sobretudo, à ausência de poder de decisão sobre seu território e o destino de sua aldeia.
A terra e a agricultura familiar constituem a base de subsistência para essas comunidades. Para administrar esses recursos, da melhor maneira possível, eles precisam estar cientes de todas as decisões, contratos, prazos e projetos que estão sendo desenvolvidos em seus territórios. É um direito que sejam incluídos em todo o processo e que recebam capacitação, a fim de eliminar intermediários e garantir que suas vozes sejam ouvidas em todas as fases.
Apesar de representar um marco histórico para a Amazônia, com a significativa reunião e troca de experiências entre os povos e comunidades tradicionais acerca da floresta e suas águas, ainda existe a necessidade de ampliar significativamente os diálogos, empreender mais ações e desenvolver estruturas políticas mais sólidas para empoderar os povos amazônicos, proteger a Floresta e promover a sustentabilidade na região amazônica. Os povos Amazônidas é que conhecem da Amazônia, temos muito o que aprender com a sabedoria ancestral deles. Não existe salvar a Amazônia sem proteger todas as pessoas que nela vivem. O que acontece lá prejudica o povo de lá, mas o que acontece lá também atinge o mundo inteiro. A certeza que se faz necessária é de que a sociedade tem que participar e ocupar todos os espaços de discussão.
Assim como o oceano é importante para a manutenção da vida no Planeta, também não podemos viver sem a maior Floresta Tropical do mundo, sem seus rios voadores, suas águas, nutrientes e biodiversidade. Amazônia, Oceano e o Planeta Terra estão interligados e somos totalmente dependentes deles! Agora é hora de agir pela defesa do nosso planeta!
Sou imensamente grata à SOA e ao IMMC pela oportunidade de aprofundar meu conhecimento sobre o Bioma Amazônico e suas comunidades, me conectar com essas mulheres amazônidas. Através da educação, podemos compartilhar mais informações sobre a Amazônia, ressaltar sua relevância e destacar maneiras de contribuir para sua preservação, mesmo para aqueles que vivem em diferentes biomas ou partes do planeta.
Sobre a autora:
Amanda Suita de Moraes é bióloga, especializada em Biologia Marinha pela UNESC. Desde 2007, desenvolve ações em prol do Instituto Ecosurf (IE), trabalhando na defesa e conservação das praias, ondas e do oceano. Desde 2014, atua como coordenadora do IE, em Santa Catarina, focando na região de Imbituba, onde lidera iniciativas de empoderamento, mobilização e engajamento das comunidades em pesquisa cidadã e na luta contra a poluição marinha e costeira. Durante esse período, ela já coordenou mais de 130 ações voluntárias. Nos últimos cinco anos, atua como educadora no Instituto Monitoramento Mirim Costeiro. Em 2019, recebeu o título de "Mulher Guerreira de Anita Garibaldi" , pela Academia de Letras do Brasil de Santa Catarina, durante os 180 anos do Batismo de Fogo de Anita Garibaldi, em reconhecimento ao seu trabalho na educação e proteção ambiental. Desde 2020, é jovem líder da Sustainable Ocean Alliance (SOA), uma organização focada em promover a sustentabilidade dos oceanos.
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