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  • Foto do escritorLeandra Gonçalves

Pesca responsável: gênero e sustentabilidade para o oceano que queremos*

Atualizado: 23 de jun. de 2020


Foi lançado neste mês de junho o relatório “Estado Mundial da Pesca e da Aquicultura (SOFIA)”, um relatório anual elaborado e divulgado pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Esse ano, o relatório chama-se “Sustentabilidade em Ação” porque, através de décadas de estudos sobre os sistemas aquáticos, seus recursos e ecossistemas, fica cada vez mais claro que não existe pesca sem produtividade biológica natural. A pesca, mais do que qualquer outra atividade econômica, depende da qualidade e da integridade ecológica dos oceanos e das zonas costeiras.  

Fonte: Photo bySteve Halama on Unsplash


A FAO é uma agência especializada da Organização das Nações Unidas (ONU), composta por 194 países, criada para combater a fome e a desnutrição no mundo. Para isso, a FAO trata de grandes temas transversais como “agricultura e cultivo animal, pesca, florestas, clima, solo, água, biodiversidade, desenvolvimento social e econômico”. Sua experiência mostra que qualquer sistema de produção de alimentos causa impactos ambientais e desigualdades sociais, mas, a pesca bem manejada ou “a pesca responsável” é a atividade com o maior potencial de produzir alimento de altíssima qualidade nutricional com um mínimo de impacto socioambiental.


Para isso, precisamos nos apoiar sempre na ciência e saberes tradicionais, nos princípios de equidade e justiça sociais, no compartilhamento do poder de decisão, na transparência e na previsibilidade dos sistemas de utilização e comercialização de pescado, dentro e entre países. 


Em 2015, muitos países adotaram os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. Os ODS foram construídos com base no  Objetivos do Desenvolvimento do Milênio, e como parte de uma nova agenda de desenvolvimento sustentável com o lema de "não deixar ninguém para trás". Também nasceram no espírito de uma agenda integradora, onde os 17 ODS são conectados e influenciam um ao outro. 


Para nós, em especial nos Objetivos no. 5 e 14, que tratam da “Igualdade de gênero” e da “Vida na água”, respectivamente, são dois temas especialmente importantes, e fazem parte da missão da Liga das Mulheres pelos Oceanos. Ambos os ODS apresentam conexões importantes, a começar sobre a importância de valorizar o papel da mulher em posições de liderança em assuntos voltados à pesca, e em promover uma gestão da pesca eficiente.


Reconhecendo a importância dos oceanos como a maior fonte de proteína do mundo, com mais de 3 bilhões de pessoas dependendo deles como fonte primária de alimentação; reconhecendo que a pesca marinha  emprega direta ou indiretamente mais de 200 milhões de pessoas; reconhecendo que os recursos marinhos tem um valor de mercado estimado em 3 trilhões de dólares por ano (5% do PIB global), o Objetivo 14 definiu metas de conservação e uso sustentável dos oceanos, mares e recursos naturais para garantir a sustentabilidade desses bens e serviços ao longo do tempo. Uma das metas mais importantes desse objetivo, o 14.4, não deverá ser cumprida pela grande maioria dos países. Ela determina que até 2020, todos devem regular suas capturas, acabar com a sobrepesca e ainda com a pesca ilegal, irregular e não-regulamentada, além de implementar planos de gestão com base científica, para restaurar o máximo rendimento sustentável dos estoques, o mais rápido possível.


Embora, o cumprimento dessas metas não estejam avançando como deveria existem várias iniciativas no sentido de aportar informações e divulgar boas práticas. Em 2020, por exemplo, estamos comemorando o 25o aniversário da adoção do Código de Conduta da Pesca Responsável que embasou a construção de inúmeros instrumentos internacionais, políticas, programas e muitos esforços de manejo responsável da pesca ao redor do mundo. Também buscando contribuir com essa construção, o relatório da FAO foi dedicado a trazer dados, diagnósticos e recomendações que possam contribuir e incentivar os países a implementarem políticas para acelerar o cumprimento dos ODS no menor prazo possível.


No entanto, segundo o relatório, o estado dos recursos marinhos monitorado por avaliação de estoques continua a declinar ao longo dos anos. A proporção de estoques explorados em limites biológicos insustentáveis, aumentou de 10% em 1974 para 34%, em 2017. No Brasil a situação é ainda mais grave. No Atlântico Sudoeste, a proporção dos estoques sobrepescados em 2017 foi de 53,3%, quase 60% maior que a média mundial, mas esse valor é provavelmente uma subestimativa, já que o Brasil não aporta dados para a FAO há vários anos.


O Brasil não maneja suas pescarias através de planos de gestão como o recomendado, o combate a pesca ilegal está cada vez mais fragilizado, não sabemos quantas ou quais as autorizações de pesca estão em vigor e o país não tem um sistema nacional de coleta de dados de pesca. Nem dados das capturas e descartes no mar, nem dados de desembarques, nem dados socioeconômicos. Portanto, precisamos urgentemente retomar os espaços consultivos com a sociedade em todos os níveis (federal, estadual e local) e incentivar uma participação mais ativa dos estados, como por exemplo na implantação de sistemas participativos de coleta de dados, se quisermos garantir a retomada da gestão científica da pesca e viabilizar o cumprimento do ODS 14 pelo Brasil a médio e longo prazo.


Além disso, para minimizar os impactos e maximizar os benefícios socioambientais da produção de alimentos pela pesca, além de acabar com a sobrepesca, é preciso garantir a igualdade de gênero, objetivo apontado com destaque no relatório. As mulheres têm historicamente desempenhado um papel crucial, mas pouco reconhecido, em toda a cadeia de produção, beneficiamento e comercialização de pescado. Elas têm sido uma das principais forças de trabalho na pesca artesanal e de subsistência, mas também em alguns setores da pesca industrial. Apesar de um menor número atuar na captura das pescarias mais distante da costa, elas dominam as capturas de mariscos, ostras e caranguejos, e são geralmente responsáveis por todas as tarefas em terra, e as grandes empreendedoras, particularmente nas operações familiares. 



As mulheres representam apenas 14% dos 59,5 milhões de pessoas envolvidas no setor primário de pesca e aquicultura em 2018. Fonte: FAO.


Os poucos estudos disponíveis, têm mostrado que, em geral, as mulheres recebem os cargos mais instáveis, mal remunerados ou não remunerados, que exigem menores qualificações profissionais (setor secundário) e que são sub-reconhecidos ou não reconhecidos como “atividade pesqueira”. Talvez, em parte por isso, e em parte pela quase inexistência de dados e estudos sobre gênero na pesca, a informação em nível mundial  é que a proporção de mulheres na atividade pesqueira é maior na aquicultura (19%) do que na pesca (12%). No Brasil os dados sobre gênero e pesca ainda são incipientes, mas sabe-se que as mulheres também exercem importante papel, e ainda são pouco reconhecidas profissionalmente.


A FAO reconhece a enorme lacuna de informações e pretende avançar na sistematização dos dados sobre pesca e gênero em parceria com a OCDE para garantir uma avaliação mais acurada e abrangente da importância da contribuição das mulheres para produção, comércio, segurança alimentar e meios de subsistência na pesca e na aquicultura. Essas iniciativas serão críticas para permitir o correto desenvolvimento e o desenho de políticas de pesca e aquicultura sensíveis ao gênero, a fim de promover o papel das mulheres na pesca e na aquicultura e avançar pragmaticamente em direção à igualdade de gênero. Em muitas comunidades que dependem da pesca e da aquicultura, a melhoria das condições e da igualdade de gênero ao longo da cadeia de valor trará amplos benefícios para a sociedade como um todo. 


Essas informações poderão, inclusive, contribuir para uma melhor integração do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5 (Igualdade de gênero) e o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14 (Vida na água). A sustentabilidade na pesca e na aquicultura pode servir como catalisador para melhorar a igualdade na sociedade como um todo, promovendo a igualdade de gênero, assegurando os direitos dos trabalhadores, adotando esquemas de proteção social e reduzindo as desigualdades sociais em geral.


Os temas gênero e sobreexplotação da biodiversidade estão no centro da missão da Liga das Mulheres pelos Oceanos e são fundamentais para a construção da contribuição que queremos oferecer à Década da CIência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável. O relatório “Estado Mundial da Pesca e da Aquicultura” compõe parte importante da ciência necessária para refletir sobre o oceano que queremos. Em breve traremos novas contribuições sobre tema. Fiquem ligadas na LIGA!


* Leandra R. Gonçalves e Mônica Brick Peres


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