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Políticas de ação afirmativa revitalizam a produção do conhecimento nas universidades

Por Dandara Rodrigues Dorneles


A presença de estudantes negras e negros nas universidades, assim como quilombolas e indígenas, vem iluminando o campo acadêmico devido às Políticas de Ação Afirmativa. Seja na graduação ou na pós-graduação, com a instituição de reserva de vagas para os referidos segmentos, a presença desses estudantes cotistas têm conferido à Universidade uma produção de conhecimento mais engajada com as suas causas sociais, reconhecendo outras epistemologias, culturas e corporeidades a partir dos pertencimentos.


Ao romperem com a ideia de estudante acadêmico padrão, negras e negros, na universidade, deixam de ser apenas objetificados em desenhos de investigação pela produção científica e passam a ser pesquisadores, desenvolvendo outras formas de interpretar, analisar e problematizar a realidade brasileira, alargando as formas de produção intelectual e a noção de excelência.


Os estudos que vem sendo realizados por estudantes advindos de cotas raciais produzem rupturas em relação às metodologias replicadas há anos, fundadas em experiências centradas no eu (branco, cristão, cis, heteronormativo...), que expressam inúmeras relações de poder e que foram repercutidas, sobretudo, por pesquisadores que se utilizam de teorias e conceitos elaborados em países ocidentalizados. Interessa, neste momento, destacar que determinados pressupostos teóricos e metodológicos ocidentalizados não dialogam com as formas as quais as pesquisas têm sido conduzidas.


Com o objetivo de desfazer muros e romper paradigmas ao relacionar os conhecimentos ancestrais aos contemporâneos, que compõem os modos afro-brasileiros de ser inspirados no poema Cremos, de Conceição Evaristo, negras e negros vem desenvolvendo os seus estudos com comunidades negras, ou ainda junto a pessoas negras e mais, participando desde o seu nascimento das práticas socioculturais que estudaram, em diferenciação às pesquisas realizadas sobre pessoas negras que são tratadas como objetos. Nesse sentido, as construções teóricas e conceituais, além de serem plurais em suas proposições, disposições e formas de linguagem, visam, sobretudo, fundir as milenares letras e narrativas à grafia dos mais jovens com o desejo de novas autorias, histórias e registros.


As monografias, dissertações e teses produzidas por estes estudantes tratam-se de obras com inestimável contribuição para a memória institucional das Universidades, pois se constituem como um espaço de reflexão que estimula o debate por meio da divulgação da produção de pesquisadores, professores, educadores, militantes e ativistas das causas negras.


Ainda, cabe mencionar que tematizar as questões étnico-raciais nas relações cotidianas estabelecidas por todos, não é um tema ou abordagem limitada a estudos de alguns docentes ou algumas linhas, mas um compromisso acadêmico e social de todas as Universidades. Se no início dos anos 2000 houve, assim como ainda há, opiniões contrárias às ações afirmativas e às cotas por famosos intelectuais brancos, hoje mencionamos o Movimento Negro Educador, destacado por Nilma Lino Gomes, e tantas negras e negros em movimento com suas políticas do cotidiano que nos oportunizam estarmos aqui: reafirmando nossos direitos, pautando cotas, expondo trajetórias e discutindo teoricamente nossas epistemologias na graduação e na pós-graduação. Há a convergência dos esforços individuais e coletivos para o reconhecimento desses saberes e epistemologias outras e, sobretudo, para a continuidade das políticas de ação afirmativa para a população negra.


De modo pulsante e vívido pondera-se, assim, a existência de uma luta coletiva e de um posicionamento político que une as múltiplas trajetórias e vivências apresentadas pelos estudantes: a perspectiva de continuidade e de manutenção das cotas raciais como ação afirmativa para a população negra e demais populações historicamente excluídas do espaço universitário. Desse modo, a presença de estudantes negras e negros nas universidades, por meio da sua oralidade, corporeidade e produção acadêmica, marcam firmemente a posição, as vozes e a história desses sujeitos herdeiros e multiplicadores das perspectivas que constituem o pensamento e a intelectualidade negra. E, por fim, tal como refere Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, demonstram o que é excelência acadêmica.

 


Referência


DORNELES, Dandara Rodrigues et al. Reafirmando direitos: cotas, trajetórias e epistemologias negras e quilombolas na Pós-Graduação. 1 ed. Porto Alegre: CirKula, 2020.

DORNELES, Dandara Rodrigues; MEINERZ, Carla Beatriz; ROSA, Russel Teresinha Dutra da. Escrevivência: sentidos na obra evaristiana e modos de viver a pesquisa em educação. PerCursos, Florianópolis, v. 25, p. e0105, 2024. Disponível em: https://revistas.udesc.br/index.php/percursos/article/view/24358


Sobre a autora


Dandara é Doutoranda e Mestra em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGEDU/UFRGS). Possui graduação em Ciências Biológicas pela UFRGS e é servidora no Instituto de Biociências - UFRGS. É cofundadora de Atinúké - Pensamento de Mulheres Negras e membra do Grupo de Trabalho de Mulheres Negras na Liga das Mulheres pelo Oceano. É organizadora e autora do livro Reafirmando direitos: cotas, trajetórias e epistemologias negras e quilombolas na Pós-Graduação. Professora convidada do Programa de Pós-Graduação da UNESC - Biologia Marinha. Possui pesquisa, experiência e atuação principalmente nos seguintes campos: Educação e Relações Socioambientais de Povos e Comunidades Tradicionais e Periféricas; Racismo Ambiental; Educação e(m) terreiros; Educação e ambiente marinho e costeiro; Relações Raciais e Educação em Ciências da Natureza (Ciências e Biologia, com ênfase no ensino das culturas e histórias africanas e afro-brasileiras); Diálogos entre raça, gênero e ciências; e Políticas de Ação Afirmativa nas Universidades.

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