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Quinta sessão de negociação do Tratado Global dos Plásticos: um fracasso, ou pode-se dizer que houve avanços?

Atualizado: 9 de dez. de 2024

Por Natalia Grilli e Isabela Ribeiro


Pode ser que você já tenha ouvido falar de acordos internacionais, como o Acordo de Paris, que visa combater as mudanças climáticas. Mas caso relações internacionais não seja o seu forte, é assim que funciona: quando temos um problema que envolve diferentes países e cuja solução demanda uma coordenação internacional, países se reúnem para pensar em regras e estratégias conjuntas para resolvê-lo. Alguns exemplos são o já citado Acordo de Paris, o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares e a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco. 


Uma vez reconhecido o problema por uma grande parte de países, esses se juntam e começam a negociação de um texto para elaborar as regras do futuro acordo internacional. Apesar da urgência dos problemas globais, os processos de negociação costumam levar anos até serem concluídos. Não é para menos, afinal, se às vezes é difícil acharmos um ponto comum em conversas dentro da nossa própria família, imagine para 190 países estarem de acordo com um único texto sobre responsabilidades que devem desempenhar considerando suas diferentes capacidades! Isso ficou evidente na negociação do “Tratado do Alto-Mar” que durou quase 20 anos para ser construído (este tem como objetivo principal proteger a diversidade marinha além das jurisdições nacionais e garantir que ela seja utilizada de forma sustentável). 


Mais recentemente, a partir de novembro de 2022, mais de 170 países estão se reunindo para negociar um Tratado Global contra a poluição por plásticos. A primeira sessão ocorreu em Punta del Este (Uruguai) em novembro de 2022, a segunda em Paris (França), em maio de 2023, a terceira em Nairobi (Quênia), em novembro de 2023, e a quarta em Ottawa (Canadá) em abril de 2024. A quinta e mais recente sessão de negociação (INC-5, para a sigla em inglês) ocorreu de 25 de novembro a 1° de dezembro, em Busan, na Coreia do Sul. Segundo o cronograma oficial, esta seria a última sessão, na qual os países deveriam chegar a um acordo de texto final, definindo metas e ações a serem tomadas pelos países para pôr fim ao problema da poluição por plástico. Porém, isso não ocorreu e está prevista mais uma sessão de negociação em 2025, para que os 170 países encontrem consenso sobre o que deve envolver esse tratado global. 

Plenária de abertura da quinta sessão de negociação do tratado global contra a poluição plástica. 25/11/2024, Busan. Foto: Kiara Worth para Earth Negotiations Bulletin.


Ao longo dos sete dias de negociação, ficaram evidentes as principais discordâncias entre os países, que podem ser resumidas em três pontos principais:


  • Escopo do tratado: países menos ambiciosos e geralmente ligados à indústria petroquímica querem um tratado focado apenas na gestão de resíduos plásticos, envolvendo medidas, como melhorar a coleta e tratamento de resíduos, e retirar e destinar adequadamente resíduos que já se encontram no meio ambiente. Por outro lado, países mais ambiciosos defendem que a melhoria da gestão de resíduos é importante, porém insuficiente para resolver o problema, e que o tratado também deve contemplar medidas desde o início da cadeia do plástico, como mudanças na quantidade (produzir menos) e composição (eliminar e restringir a utilização de químicos e aditivos perigosos) dos produtos plásticos;


  • Financiamento: todo acordo global tem um custo para garantir a sua implementação de forma eficiente (e não se trata de um valor pequeno, mas sim de centenas de milhões de dólares, se não mais). Seja para a construção de infraestruturas, desenvolvimento de novas tecnologias, pesquisa científica, programas de capacitação e educação, auxílio a novos modelos de negócio e a comunidades impactadas, entre outros. O texto do tratado deve trazer de forma clara qual o modelo e as fontes de financiamento para sua implementação, e ambos os pontos ainda estão em disputa no tratado do plástico;


  • Implicações à saúde humana: muitos países, incluindo o Brasil, defendem que o tratado do plástico deve conter um artigo específico sobre saúde humana, compreendendo ações e medidas para que seus impactos sejam minimizados. Está cada vez mais evidente que a poluição por plásticos vai muito além de ser uma questão ambiental e deve ser entendida também, como uma questão de saúde pública. Por outro lado, alguns países refutam essa ideia e não aceitam a inclusão de provisões relacionadas à saúde humana no texto.


Apesar das negociações de cada provisão do texto serem feitas apenas pelos representantes oficiais de cada país (delegações dos Estados-Membros), as sessões podem ser acompanhadas por organizações da sociedade civil. Ou seja, as organizações podem observar o que está sendo dito, e, em alguns e poucos momentos, fazer suas declarações em plenárias. No entanto, não têm poder de decisão sobre o texto. E quem pode estar presente nas sessões de negociação como observadores? Principalmente, ONGs ambientalistas, de direitos humanos, povos indígenas, instituições de pesquisa, empresas, entre outros. A presença de observadores nas negociações de acordos globais garante a transparência do processo, porém existe a necessidade de equalizar conflitos de interesse, principalmente quando notamos a enorme participação de lobistas ligados à indústria petroquímica durante o INC-5. Ainda que não tenham poder de decisão, existe um grande espaço para influenciar a posição dos países nas negociações.

Representantes da sociedade civil e povos indígenas pedem a palavra durante a plenária. 27/11/2024, Busan. Foto: Kiara Worth para Earth Negotiations Bulletin.


Dessa forma, para os países e observadores que almejam um tratado mais ambicioso, que realmente consiga acabar com a poluição plástica, considerando todo o ciclo de vida dos plásticos, o INC-5 não ter terminado com um tratado fraco, focado na gestão de resíduos, foi, de certa forma, uma vitória. Países concordaram com a necessidade de mais tempo e de uma nova sessão de negociação (denominada INC-5.2) para chegarem a um acordo - mas não se sabe quando ou onde isso acontecerá. Com tantas divergências, disputas e interesses em jogo, será que apenas mais uma sessão extra será suficiente para chegarmos a um acordo global? Vamos permanecer atentas e exigir de nossos representantes medidas e ações ambiciosas para combater o problema socioambiental que se tornou a poluição por plástico em todo o seu ciclo de vida. 


Sobre as autoras:

Natalia Grilli é doutoranda em Ciências Políticas e Relações Internacionais na Universidade da Tasmânia, Austrália.

É co-fundadora e produtora de conteúdo da Liga das Mulheres pelo Oceano.









Isabela Ribeiro, doutoranda em Ciência Ambiental na Universidade de São Paulo. Desenvolve pesquisas desde 2020 sobre governaça e políticas públicas do plástico, e tem o Tratado Global do Plástico como foco de sua tese, onde busca compreender a atuação dos diferentes atores e partes interessadas dentro da construção dessa política global.

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