Ana Paula Prates
Dra. em Ecologia
Conselheira da Liga das Mulheres pelo Oceano
Dados recém publicados demonstram que o oceano atingiu seu nível mais quente na história registrada em 2020[1], sobrecarregando a crise climática.
Na realidade trata-se de um ciclo vicioso, quanto mais emitimos CO2 mais o oceano absorve e mais ele perde a capacidade de nos devolver oxigênio. O oceano é o grande regulador climático do planeta e quando ele se desequilibra, perdemos todos.
As mudanças climáticas estão sendo sentidas de forma mais drástica e rápida do que muitos esperavam. Os últimos cinco anos estão caminhando para serem os mais quentes já registrados e os desastres naturais se tornam mais intensos e frequentes. As temperaturas globais cada vez mais alarmantes estão apontando para um aumento médio de pelo menos 3°C até o final do século - o dobro do que os especialistas alertaram como o limite para se evitar as mais severas consequências econômicas, sociais e ambientais. Em curto prazo, os impactos das mudanças climáticas se transformam em emergência planetária que já incluem perda de vida, insegurança alimentar, tensões sociais e geopolíticas e impactos econômicos extremamente negativos[2].
O oceano é um regulador fundamental da vida e da bioquímica do planeta. No entanto, no mar as mudanças, que já estão em curso, tendiam a ser mais silenciosas e dramáticas. Até agora. Mais de 90% do calor aprisionado pelas emissões de carbono é absorvido pelo oceano, tornando seu calor um sinal inegável da aceleração da crise. Estudos recentes demonstram que os cinco anos mais quentes no oceano ocorreram desde 2015, e que a taxa de aquecimento desde 1986 foi oito vezes maior do que a de 1960-85, e com isso aumento o número de eventos extremos e letais para a população.
O Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC) já havia publicado em setembro de 2019 relatório especial sobre a relação dos oceanos com a mudança do clima[3] apresentando dados alarmantes tanto para a saúde dos ecossistemas marinhos por conta do aquecimento e da acidificação quanto sobre os riscos em relação ao potencial deles seguirem atuando decisivamente para a regulação climática. Desde 1993, a taxa de aquecimento do oceano mais que dobrou.
O IPCC apontou também que com um aumento médio da temperatura global já teremos o desaparecimento de 70-90% dos recifes de coral (hoje já foram perdidos 50% desses ambientes no mundo) podendo chegar a perda de 99% com 2oC. Nem preciso completar o que aconteceria com um aumento de 3oC.
Tais afirmações foram comprovadas com a divulgação de estudos, demonstrando que a temperatura média dos oceanos atingiu a marca mais alta já registrada e o ritmo com que eles estão esquentando está se acelerando, no início de 2020 os cientistas calcularam que, nos últimos 25 anos, os oceanos absorveram o equivalente ao calor gerado por 3,6 bilhões de explosões como a da bomba de Hiroshima[4].
Mas isso foi no início de 2020, ou seja, com dados até 2019. Em janeiro de 2021, estudo mais recente mostra que o oceano atingiu seu nível mais quente na história registrada em 2020, sobrecarregando ainda mais os impactos climáticos extremos da emergência climática.
Ou seja, a cada ano esse recorde é quebrado, claro, é simples: quase todo o calor extra que ganhamos por causa dos gases de efeito estufa acaba no oceano, que por sua vez absorve mais de 90% do excesso de calor. Conseqüentemente, a massa de água esquenta ano após ano. Se quisermos entender o aquecimento global, teremos que medir o aquecimento do oceano.
Segundo o estudo[5], medições instrumentais confiáveis remontam a 1940, mas é provável que o oceano esteja agora no seu ponto mais quente em 1.000 anos e aquecendo mais rápido do que em qualquer momento nos últimos 2.000 anos. Mares mais quentes fornecem mais energia para as tempestades, tornando-as mais severas, não à toa, houve recorde de 29 tempestades tropicais no Atlântico em 2020[6].
“Mas as pessoas não vivem no oceano, então por que devemos nos importar? Essa é uma pergunta que recebo o tempo todo e a resposta é clara”[7]. O oceano realmente controla o clima da Terra. Aproximadamente 70% do planeta é coberto por água oceânica; quando essa água aquece, ela, por sua vez, aquece a atmosfera, e piora muito a nossa qualidade de vida, com mais enchentes, inundações, furacões, menos peixes, menos vida....viram como devemos nos importar? Além disso, a água evapora do oceano para a atmosfera e a evaporação aumenta dramaticamente com o aumento da temperatura, tornando o ciclo vicioso sem fim.
Há menos de 10 anos de 2030, do cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - ODS, o mundo volta suas expectativas para a importância do oceano nos aspectos econômicos “economia azul”, na segurança alimentar e nas possibilidades de energias renováveis.
O oceano tem o potencial de ser uma das nossas ferramentas mais fortes contra as mudanças climáticas, ou não, pois caso nada seja feito por ele seremos engolidos.
Por outro lado, falando em recordes, olhando para os nossos números domésticos, somamos os dois últimos anos de recorde de desmatamento de florestas no Brasil[8]. Continuamos a aumentar cada vez mais a “chama” que aquece o oceano... até quando?
Foto: Paulina Chamorro
[1] https://www.theguardian.com/environment/2021/jan/13/climate-crisis-record-ocean-heat-in-2020-supercharged-extreme-weather [2] “The Global Risks Report 2020” apresentado em Davos, Suíça, durante o Fórum Econômico Global realizado em janeiro de 2020. [3] https://www.ipcc.ch/srocc/ [4] Cheng, L., and Coauthors. 2020: Record-setting ocean warmth continued in 2019. Adv. Atmos. Sci., 37(2), 137−142, https://doi.org/10.1007/s00376-020-9283-7. [5] https://www.annualreviews.org/doi/10.1146/annurev-marine-010419-010844 [6] https://www.theguardian.com/world/2020/nov/10/devastating-2020-atlantic-hurricane-season-breaks-all-records [7] https://www.theguardian.com/global/climate-consensus-97-per-cent/2021/jan/13/why-are-ocean-warming-records-being-broken-year-after-year [8] http://www.oc.eco.br/alertas-de-2020-revelam-o-segundo-pior-ano-de-desmatamento-apurado-pelo-sistema-deter/
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