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  • Foto do escritorPaulina Chamorro

LIGA CONVIDA: Saudades do mar, o meu lar

Atualizado: 2 de jul. de 2020

Convidamos a pesquisadora Vivian Pellizari, do Laboratório de Ecologia de Micro-organismos do IOUSP, para contar sobre as saudades de estar embarcada.

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O período de “isolamento social” iniciou em março e com ele vieram as aulas “online” e as reuniões à distância dos projetos de pesquisa em andamento, no meu laboratório no Instituto Oceanográfico da USP (IOUSP). Todos estão em suas casas, e o trabalho parece que só aumenta. No entanto, tudo agora acontece na frente do computador, sem precisar enfrentar o trânsito louco da cidade de São Paulo, mas também sem as coletas e embarques agendados para esse período ou quem sabe para o ano todo. Em uma das primeiras reuniões à distância com o grupo de 15 pesquisadores do Laboratório de Ecologia de Micro-organismos, meu laboratório no IOUSP, comentei que eles ficariam bem, pois estavam acostumados a estarem “confinados” à bordo dos navios de pesquisa, durante as expedições para as coletas de amostras. Em resposta logo escutei manifestações de protesto.

Não, eu sei. Não é a mesma coisa, claro.




Algumas vezes durante o isolamento social, me pareceu que a experiência embarcada ajudaria neste momento de confinamento. Durante o embarque você caminha muito menos, gastando menos energia, vendo os mesmos lugares e as mesmas pessoas o dia todo, durante todos os dias da expedição, que pode durar até 30 dias ou mais. Minha experiência mais longa embarcada foi de quase 75 dias. Eu tenho embarcado muito nos últimos anos, mas sem uma frequência regular, uma vez que os embarques dependem de verba, logística e tantos outros fatores, que nem sempre podemos controlar.

Nas minhas pesquisas, trabalho com a vida microbiana marinha. Isso mesmo, com os micro-organismos, esses seres invisíveis que para a sua sorte habitam em abundância tanto o seu planeta, quanto você. Já ouviu falar em microbioma humano? Pois é, não existiria vida no planeta ou em nenhum hospedeiro, seja ele mamífero, alga ou invertebrado, etc... sem os micro-organismos. Eles também são muito versáteis metabolicamente e conseguem viver até em condições extremas de temperatura, pressão, pH, salinidade entre outros fatores, além de ter papel fundamental na manutenção do clima, na ciclagem de nutrientes e energia do planeta.

Minha linha de pesquisa é a ecologia microbiana e o meu interesse é desvendar a diversidade de bactérias e arqueias (micro-organismos unicelulares), suas funções e estrutura em habitats marinhos diversos, em especial os ambientes extremos, como os de mar profundo, regiões polares, áreas com influência geotermal ou de exsudação fria e subsuperfície. Conhecer o que estrutura a vida dos seres mais abundantes dos oceanos hoje, é importante para conhecer tanto a origem e evolução da vida no planeta, quanto a sua resposta frente às alterações antropogênicas ou naturais, como por exemplo, as mudanças climáticas.


Eu sempre achei a pesquisa oceanográfica um desafio, mas sem dúvida fazer ciência em ambientes de mar profundo, e no Brasil, é um desafio ainda maior, principalmente por depender de uma logística cara e complexa. Por isso as cooperações internacionais são fundamentais para a realização das pesquisas dessa região ainda tão inexplorada no mundo todo. Mas com paciência e apoios dos colegas, já enfrentei e venci muitos problemas para trazer os navios de pesquisa internacionais para expedições no Atlântico Sul, conseguindo apoio do País para embarque em expedições organizadas por programas internacionais.




Nos últimos anos eu estive embarcada em expedições nos Oceanos Pacífico, Atlântico, índico e Antártico. Um privilégio, é verdade. No entanto, no último ano, apesar do meu grupo ter realizado coletas durante 24 semanas, participei pessoalmente de um único embarque no NOc Alpha Crucis, do IOUSP, para uma expedição empregando um novo equipamento adquirido pelo IO, um veículo submersível operado remotamente (Remotely Operated Vehicles- ROVs). Eu aguardava por isso há muito tempo: poder usar um ROV no navio do IOUSP. Foi um avanço importante.

Cada expedição é uma experiência única!

Embarcados, trabalhamos em turnos as vezes de até 12 hrs, o que envolve sempre muita ação e não é como estar em casa trabalhando “online”. Estar em alto mar, sem avistar terra no horizonte, pode parecer estranho para muitos, mas a paisagem muda diariamente, o nascer e o pôr do sol são “lives” imperdíveis, assim como as tempestades. Acompanhar a navegação, o planejamento diário das coletas, a ansiedade antes de cada uma, bem como a frustração pela espécie não encontrada, ou pelo equipamento danificado, pelos dias perdidos numa frente fria, que impedem a coleta, até o desafio de processar as amostras no balanço do navio, são desafios, mas especialmente as novas descobertas, fazem com que o confinamento seja irrelevante!




Como cientista e apaixonada pela carreira que escolhi, o entusiasmo sempre toma conta de mim, mas nada é perfeito. Ironicamente, a dificuldade sempre fica por conta de lidar com a distância da família e justamente do local onde me encontro hoje “confinada” e com saudades do mar, o meu lar.




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